quinta-feira, 11 de agosto de 2016

hoje kátia a inquilina
falava sobre a viagem de sua mãe
visita à terra, o Ceará
de avião
disse que a família estava apreensiva
mas que a mãe fizera boa viagem
olhou pela janela, passou bem
perguntada se era a primeira vez da mãe num avião
respondeu que não
mas que a mãe tinha problema de sistema nervoso
não podia ficar muito emocionada
nem de alegria
nem de vexame
pensei no antônimo inusitado
vexame como oposto de alegria
não sei até agora o que isso significa
mas intriga

sábado, 25 de junho de 2016

e aqui me encontro a desfrutar de manga madura

a presa doce
entre os dentes
é tão mais suculenta
quanto mais ferida
tão mais se doa
quanto mais explorada

as mangas maduras
não raro superam em transe e delírio
os beijos mais calorosos dos amantes

há algo de transcendental em se fruir
a sós
de manga madura
- a pouca vergonha
o escorrer do sumo na face
entre os dedos

língua, dente e lábios
em surto coordenado

e findo o devaneio
resto eu
satisfeita e inconformada

sexta-feira, 10 de junho de 2016

tem dias que eu penso que sou feita só de sentimento

sexta-feira, 27 de maio de 2016

se eu cair doente,
você vem ficar comigo,
e fica até eu melhorar?

se for domingo,
e eu quiser ir ao horto,
só namorar umas plantinhas e voltar,
você vai comigo?

e se for sábado à noite e eu não quiser sair?

se eu disser que quero beber água de coco
você vai buscar na rua e me trazer?

eu não gosto de pedir
e nem te peço nada
mas às vezes preciso de você
pra passear um pouco
do lado de fora da minha solidão

quarta-feira, 11 de maio de 2016

lições

nunca
jamais
dê uma história por terminada
as histórias têm tudo
menos fim

quarta-feira, 4 de maio de 2016

teu cheiro forte
ainda aqui
depois do adeus
corta a minha carne

dilacerada
me prendo à hora da despedida

o querer tem disso
estende amarras largas
arrasta a gente aos passos
de alguém que vai embora

quinta-feira, 21 de abril de 2016

resolvi me aventurar
deixar você me pegar em casa
te levar umas cervejas
te ver de novo

resolvi me aventurar
te mostrar uma música
falar da minha adolescência
ouvir sobre teus pais

resolvi te dar espaço
corresponder
não te estranhar
me estremecer

resolvi que
as aventuras íntimas
são mais que pontes de desejos
são lugares vivos
onde eu aconteço

quinta-feira, 31 de março de 2016

~
aí, vem alguém
que dá gravidade à solidão da gente
torna a solidão doentia
oferece a cura
fornece paliativos
não resolve
cria a fome
e não sacia
a solidão cresce
desarruma o que era certo
a solidão se abisma
tritura tudo o que compunha a lúdica atmosfera
e engole tudo
o alguém
a gente
e mói o coração
- a gente finge, mas a gente nunca se refaz

terça-feira, 29 de março de 2016

eu pedi que te avisassem
que tenho sido um tipo avesso
queria te prevenir
do meu mal

riram de minha preocupação
perguntaram por que eu queria te proteger de mim
disseram que não ofereço perigo
que tu não merecias proteção

sei
que não sou tão má
porque me preocupo em te preservar

o faço
porque a bondade é una
transpassa os homens
e ofender a bondade de um homem
corresponde a ofender a bondade do mundo
e não quero ferir o mundo
como o mundo tem me ferido
porque dói,
e não me desvencilho da ideia de ser também mundo

se crio obstáculos
é porque quero que me mostres
a firmeza do teu desígnio
quase peço

me vejas com doçura
venhas determinado
tenhas um propósito honesto em mim

sejamos francos
nós nunca nos detemos
nunca nos deteremos
em ninguém

o outro
é sempre através
sempre retroverso
sujeito a,
não-sujeito

e como o clímax da música
preciso de explosão
antes do amparo

se te advirto do meu mal
é para instar disposição
para que
tendo aprendido o jeito
depois
tu me protejas de mim

quarta-feira, 23 de março de 2016

Estou aqui, inerte,
mas com algum esforço,
você me vence
não como uma conquista, de sua parte
ou uma concessão, de minha
mas como uma decorrência lógica
do teu esforço
- como se não fosse permissão nem domínio

Lembro alguma coisa do teu rosto
lembro que tem a pele marcada
e, o que poderia me causar repulsa,
me provoca interesse.
Porque há mais história,
na imperfeição

Sou capaz de te amar
e é capaz que eu te ame
como poderia amar a qualquer um
e é capaz que eu te coroe com meu amor
como poderia coroar a qualquer um

apenas para exercitar
um talento abandonado
para falar uma língua morta,
por pura excentricidade

É capaz que então eu veja em você
a beleza que eu vejo nas conchas feias,
que mesmo assim recolho e guardo

e o que era sem contexto e sem sentido
é ressignificado.
Por isso é que, mais tarde,
é difícil devolver ao mar a concha
sem nenhum pesar

Só não quero guardar nem espuma
quando, depois do tempo do encontro
eu tiver que te atravessar

terça-feira, 1 de março de 2016

ele disse:
-eu quero dominar o mundo
ela disse:
-eu quero libertar o mundo

e acabou o amor

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

às vezes,
eu me sinto
no topo de uma onda

num lugar alto 
vendo coisas 
que só a minha visão pode enxergar
entre o mar 
e o resto do mundo,
no instante em que sou uma fronteira 
o ponto limite no traço de uma linha imaginária entre duas imensidões

no topo de uma onda
que está prestes a desmoronar,
e eu tenho poder e medo

depois, me vejo
no coração da correnteza
onde a água muda o rumo, 
ou sendo jogada à beira
até quando a água quebrar

e a água ficar despedaçada
em cacos
feito um papel picado 
que breve-breve se refaz líquido 

(e eu também consigo evaporar

não sei como aprendi
a passar por todos os estados das coisas)

a vida, às vezes, atropela a gente

e saio eu 
criança feliz 
me reerguendo do caixote,
misto de vergonha
e orgulho em busca de um olhar que tenha testemunhado a vitória

sobreviver 
é um mérito único,
é o ato heroico de cada um 

não sei se tudo retorna ao ponto de origem 
ou se a origem das coisas em tudo permanece
e a gente desencontrado
fica sentindo que não consegue voltar
à origem que nos acompanha

a lucidez das coisas
é uma espécie de reencontro

eu antecipo os acontecimentos 
eu me recupero de qualquer estrago 
eu não evito nada

a vida estraçalha os sonhos 
e dos sonhos desfeitos
moldamos sonhos novos,
somos incansáveis

não sei quem me ensinou
a ter todos todos os tamanhos 
e gostar de ser
pequenininha

sábado, 30 de janeiro de 2016

haverá recompensa
para o tempo da espera

chegará o amor sem fôlego
e desarmado 
se prostrará aos teus pés

chegará o amor de longe
como que exausto de uma longa batalha 

ou 
virá do exílio

virá desamparado
e até mesmo perverso 
ferido 
despedaçado 

o amor virá 

virá cansado 
desistido
desarrumado 

ainda assim
virá o amor
arruinado 
mas fiel
na crença em revigorar



I'm in love
with the things I can't understand

sábado, 26 de dezembro de 2015

são três mo(vi)mentos:

i. (tentar) dar ordem ao caos;

ii. aceitar o caos como a ordem;

iii. fazer do veneno vacina.

sábado, 21 de novembro de 2015

de manhã, 
tomei leite com nescafé
nescafé, para mim, só fica bom com leite
e pouco açúcar
e canela, mas canela nem sempre 
e bastante açúcar, às vezes

de sobremesa, 
tomei sorvete de açaí

no fim da tarde, 
eu caminhava pelas ruas do bairro
tão feliz tão feliz que é horário de verão

já de noite,
tomei umas brahmas na varanda da vizinha
entre roupas estendidas, um tanque, e azulejos descombinando
tivemos uma boa conversa

agora mais tarde,
comi dois ovinhos moles
e de sobremesa
cerejas em calda
mais até do que devia

no banho,
usei o sabonete johnson novo
comprei quatro deles, cada um com um aroma

e depois, tomei o tal colágeno hidrolisado 
para dar fim à condromalácia

estou desconfiada quanto à eficácia do tal suplemento
mas mentalizo assim "joelhinho, fica bom"

o prazer que eu tenho na irrelevância



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Anteontem tinha roda de capoeira, na rodoviária. Estava bonito, cada um parecia uma mola; é preciso ser muito forte para envergar e não se quebrar nem desequilibrar. A força nem sempre é dura. Entre a rodoviária e minha casa, tem uma ponte. Debaixo da ponte corre um rio. E é bonito enquanto eu passo sete passos olhando o rio. Minha pressa é menor, por sete passos. O rio está baixo, mas eu não lamento o rio baixo, como fazem as outras pessoas. Eu aprecio as pedras, que só aparecem porque o rio está baixo. Hoje de manhã, a gata da vizinha apareceu aqui. É uma gata marrom, muito peluda e muito séria, mas que não rejeita carinho. Sentei-me ao chão, na varanda, para mimar a gata. Não por ela, por mim. A vizinha apareceu, encontrou a gata, não se aproximou, apenas olhou e sorriu, solidária e um pouco surpresa. Agora à noite, voltando do restaurante, parei uns instantes para alisar a testinha de um cão vira-lata preto bem pretinho, que vive triste na escada da vila. Vive ensimesmado, quase não se mexe. Ainda não tive coragem de perguntar se ele tem dono ou ao menos alguém que cuide, porque tenho forte tendência a abarcar responsabilidade, e responsabilidade traz preocupação. Omitir-se pode não ser correto, mas às vezes encontramos mais tranquilidade na omissão; é só listar justificativas para sanar a culpa e uma culpa pequena vai sendo absorvida pelos dias, e compensada pelo sofrimento das pequenas injustiças a que somos acometidos. No fim, tudo é uma questão de discurso. Incrível como essa cidade tão cedo se tornou familiar. Tudo bem, até hoje não consegui descobrir a lógica das linhas de vans e kombis, mas saindo do ponto final, e virando referência na localidade, logo algum motorista me grita apressado Fórum-Fórum! Eu tenho esse talento: o de transformar lugares e pessoas rapidamente em coisas familiares. O cão não festejou meu afago, e de repente eu me vi no cão. Tão só, tão só, tão sedimentado na solidão, que nem uma possibilidade de companhia lhe entusiasma. A solidão de quem conhece o desengano, o cansaço do mundo nos olhos, enfiado no poço da descrença. Ainda assim, eu resisto, eu nutro uma fé na comunhão. Apesar de eu ser muito só (ou mesmo por isso, talvez, quem sabe), qualquer lugar é casa, qualquer pessoa é irmã. 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

não importa o que eu procure
eu só encontro
sarna para me coçar

domingo, 8 de novembro de 2015

a paz
não raro
é um cômodo da casa
aonde não consigo chegar

sábado, 7 de novembro de 2015

não tenho do que me queixar, solidão
já fui muito só
as vezes em que fui mais só, havia um homem ao meu lado
e agora sem ninguém ao lado ainda sou só
mas sabe o quê
para quem aprende a ser só
a solidão
é de um empoderamento enorme