quinta-feira, 15 de novembro de 2007

e se eu te disser que as coisas sangram. sim, sangram. as casas, também. as casas, as coisas e as ruas. tudo sangra uma seiva endurecida do outro dia, o torpor de outrora. quando me levanto, em meio à noite, enquanto Álvaro e tu dormem, sinto o cheiro do sangrar das coisas, e da casa. compadeço-me com aquelas dores. ser humana, para mim, não basta. é preciso transpor-me a outras condições existenciais. ceder um pouco de humanidade a outras formas não-humanas, que, como eu, ferem-se com as manhãs, lamentam as noites, choram luz. é preciso, é urgentemente preciso, que saibas do sangue frio que me envolve quando teus braços despojados não se enlaçam nem no meu corpo, nem no de outras. as coisas talvez não tenham calor. de fato, as coisas não o têm. as coisas talvez não digam. mas eu entendo, eu espero, eu assisto. tu no quintal, Álvaro descalço - isso me dizia muito mais. o quê, meu Deus? como conviver com a anuência do tempo? o que te matinha, o que mantinha a Álvaro? por isso, prefiro o segredo das coisas, porque as coisas, meu bem, eu revelo, eu posso desacobertá-las, entende. e as coisas também se revelam. tu e Álvaro não; ambulantes espectros de mim.