sexta-feira, 29 de junho de 2007

Não fosse o amor por Marcelo, Mariana não teria dúvidas. Deixaria a cidade e, destemida, assumiria-se como mulher de seu tempo. Guardava em seu íntimo a crença inabalável de que a devoção por Marcelo e pelo amor que ela o tinha a manteriam viva e acesa, enquanto houvesse. Não haveria. Contudo, na vida como no conto, é triste precipitar o fim; é precipício. Estremeço.
Ana hoje estava a me contar da lua anoitecida de ontem. "E parecia mais noite porque eu já não o tinha." E parecia mais doce Ana triste assim, agarrada ao meu colo, extraindo vida de meu peito. Carolina no outro canto da sala, contemplando e querendo ser Ana. Eu adivinhava volúpia em seus olhos. Também não diria, pois que quando se diz, há algo que se quebra. E eu amava, entontecida, a volúpia fria de Carolina à margem.
E nada de Mariana voltar da varanda. Era estranho vê-la só, ainda que sabendo-a visceralmente atada a Marcelo. Qualquer afastamento, por breve que fosse, entre o casal ma parecia ruptura de nervos no desespero da fuga. Não era isto o que ocorria. Marcelo noutra esquina, irritantemente acessível. Mariana, então, fechava o olho direito, mantendo o esquerdo fixo, estendia o braço direito lentamente, depois o esquerdo, mantendo aquele em altura superior. Chamavam-lhe cuidado a obsessão. Eu diria uma loucura morna que só eu via e tinha medo de ver.
Os outros - Dr. Marco Aurélio, Dona Augusta, Seu Lourival, a menina Clara, e até mesmo Carlos Henrique. Os outros não enxergavam a secante afiada que surgia de Mariana ao me ver e não ver, ao vê-los e não ver ninguém. Se viessem a me perguntar por que não evitá-la, por que não desviar-me do gume que se lança quando ela estática me destina os olhos, eu diria que Mariana não fere, mas que gosto de pensar que me firo quando na mira de seu não-olhar.
Ainda aqui, não consigo falar dos motivos, não atinjo o distanciamento plausível para contar da candura, da morbidez, e do torpor infiltrados em Ana. De Marcelo homem. De Carolina no avesso da lucidez. Isto porque da sala via Mariana imóvel, imutável, intransponível. Eu na aridez angustiada de não sê-los. E no delírio profano de ser-lhes à beira.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

tenho paixão pelas horas, não por horas qualqueres, mas por aquelas que se consomem intactas, aquelas que rastejam sobre o tempo, as que se demoram, intercalando leveza & peso lentos. tenho paixão pelo que de mais noturno há nelas.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Tua destreza para tornar as coisa velhas me era uma vida à parte. Como a camisa do último Natal. Eu dizia último porque temia que de fato o fosse. E assim, por temer o que eu temia, dizia, desencorajada e robusta - que só sabia viver só, que a noite era materna, que o tempo e os dias eram cortes que se abriam sem sangrar. Eu me colocava discreta e atônita a te assistir envelhecer tudo ao redor. Com a tradição, com o uso, até mesmo com as palavras, revelar-lhes o desgaste, o desuso, o desgosto. Quiçá eu adotaria tal destreza para envelhecer a mim mesma. Das mãos ao olhar; ver-te esmaecido, distante, pesado. Não mais inteiro e ávido. Eu saberei envelhecer-te para que, por compaixão, me ames um pouco mais. Saberei fazer correr o tempo a propósito de nós. Saberei te tocar os olhos quando mais ninguém.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Augusto me disse que sentia saudade do mar, em tom de confissão. Eu acatei seus braços e suas farsas sob o tapete espesso da cumplicidade inventada. Augusto era quem me dizia sobre as coisas como elas são. E eu cria como se crê na própria prece. Quando consultado, e somente nestas ocasiões, a respeito de meus escritos, Augusto emitia seu parecer: considerava-os traduções de uma dor estilística. Como se eu forjasse a dor que eu sentia, da qual ele jamais se apercebera, sob a forma de dor. Criticava a maneira com que eu dispunha as vírgulas e as observações acessórias. Era parte de mim a adjacência a Augusto, era eu inteira. Ou seria eu parte do que o adjazia?, assim como Caetano, o motorista, Dra. Helena, do escritório, os desabrigados aos quais dirigia caridades. Sereno e brando, melhor seria eu continuar sendo, fosse o que fosse, desde que ao alcance de Augusto. Então, eu o cercava desde cedo até o fim, entre café jornal gravata café toalha pijama, era eu a tecer-lhe o dia. Era eu a sofrer distância e a aliviar Augusto a salvo casa. Era eu entre agonizar Augusto em outro lugar que não aqui e a aflição de tê-lo entre as mãos e evasivo. Augusto sabia de um tudo. Explicava-me a gravitação dos astros, dos entornos, dos conformes. Augusto era conhecedor da quarta dimensão, que era o tempo; e da quinta, que era o pensamento. Também sabia a ciência dos átomos - resistência dos polímeros, mecânica dos fluidos, física quântica, radiação. Augusto farto em eloqüência. Desde sempre sabia Augusto. Até quando?, eu sigilosa me indagava. O dia morria lento entre meus lábios, enquanto tu, Augusto, ao meu lado deliravas em outras galáxias, enquanto dentro de mim te jorravas disperso, eu me sabia, tão lúcida, que obscena - artesã das horas a te orbitar.

domingo, 17 de junho de 2007

nocturnas horas estas em que me despeço & incapaz de alcançar. billie, tempos atrás e des(com)postura. escondo os espelhos da casa como fazia a vó na infância minha. o quanto eu desejei que ela soubesse atar as duas pontas da vida! subjuntivismos para dizer arrependimento. e eu só querendo deitar o corpo e a imanência feito uma dobra no dentro que insiste em mim. nocturnas horas em que demasia.
pour la première fois