quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

(escrito encontrado dentro do carta ao pai)

desfazer as malas ainda em viagem, trazer à tona o dia de amanhã - tudo isso era muito doloroso. tornava-se cada dia mais casta, não por uma escolha, mas por um desfalecimento tamanho dos sentidos, que só lhe restava ser assim - mobília, poeira e noite, luz acesa, casa sem voz. nos olhos tanta cegueira quanto lucidez. casa vazia. nada a espera. vinha-lhe a imagem do pai desmanchando o sorriso: de quantos dentes é feita a culpa? noite sem resposta. ensaio um discurso que lhe seja plausível, bem aparado, mas só o Pai tem a Razão. ensaio um sonho que o faça morrer menos e rezo para que não lhe atinjam. o desamparo, o desmazelo, essas horas de agora.
tu sabes que não me és apenas o sobrenome (o único), mas queria eu que tu não soubesses do que te faz entristecer e desmanchar teu sorriso gordo numa manhã de domingo.