quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

insustentável

parece que serei sempre sabina, nua, pernas abertas sobre o espelho, chapéu-coco na cabeça. sabina com o coração de teresa.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

amar é
dar a cara a tapa
e depois
ainda oferecer a outra face

segunda-feira, 30 de maio de 2011


Amanheci ainda tomada pela noite de ontem. O coração amolecido, pedindo outra dose da tua inconsequência, o corpo todo entregue a você que não estava aqui. Repassando a noite de ontem, percebi que mais dolora que a mágoa cinza que eu cultivara era o desejo de que qualquer coisa em relação a você perdurasse. Pela primeira vez em muito tempo eu não soube o que dizer, quando você me perguntou se eu queria que você sumisse, que deixasse de me procurar. Tive medo de não te ter de maneira mais definitiva da que não te tenho. Quando me perguntou, quase em tom de ameaça, eu via, sem ver, tudo branco, ou negro, em volta. E foi assim que por uns segundos fui revel. Inquieta, comecei a falar disparates. É bem assim quando eu perco a razão ou quando quero dizer coisas tão mais fundas que tenho medo de dizer e de sentir e de pensar. Mas você fez o que eu quero que você faça quando eu falar em desatinos, que você me ignore e que mande que eu me cale ou que fique bem bronco e me corte com sua aspereza. (Minha loucura não é menor que a sua, só tem o ímpeto de ser mais explícita com mais frequência. Minha loucura tem raras oportunidades de buscar amparo, e você que também é parte dessa minha loucura, faz com que eu me permita, ou não consiga me controlar, o que é bem diferente. Eu digo loucura, mas deve ter outro nome.)

Eu me pergunto se o amor pode começar de um erro, se o amor pode nascer deste jeito torto nosso. E me pergunto se dentro da gente onde mora o amor? Porque quando suas mãos decisas me tocam, tantas partes de mim se perguntam se isso é um ensaio do que possa vir a ser o amor, se isso é uma promessa leviana de que você me quererá por muitos outros dias mais, ou se isso é apenas um reclame qualquer imediato das suas mãos. Você não sabe a gravidade do seu gesto. Não sabe que quando me vem com seus braços quase desavisados sobre mim, eu sofro, me esquivo e desejo que não desista dessa luta, que quero que brigue comigo por um espaço a mais do seu corpo no meu, que quero que me queira sem dúvida. E isso vai além do toque.

A noite de ontem me fez sentir saudade da sua casa, de lavar a louça enquanto você toma banho e de escolher a camisa que você vai usar. De reprimir todo o cuidado que eu queria dedicar a você. De olhar as fotos nos porta-retratos, de não me cansar de desvendar as fotos, e pensar que o amor dos seus pais poderia ser o nosso amor. De pensar que seu pai era bonito e que devia ter sido um homem melhor do que você. De perguntar: qual teria sido o som do teu riso, Maria, o timbre da tua voz? De acreditar que eu era forte o bastante para enfrentar o mundo com você - a doença, a falência, o desemprego. De querer ser tudo o que eu posso ser.

Mas você vai embora, e eu não sei tanta coisa.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pé-direito alto em descontínuo VII

Emiliana agora deu para ficar vigiando o muro. O tempo todo tenho que monitorá-la para verificar se tem cumprido suas funções. A negra velha diz que tem visto homens pulando o muro, vultos na varanda, que tem ouvido panelas caindo no telhado. Essa criada já deu o que tinha que dar. Está ficando louca, esquizofrênica. João diz que devemos ser compreensivos, mas o fato é que não devo nada, além do ordenado, à velha louca. Nunca fez os serviços da maneira que instruí, agora então, que vê coisas, é que não vai mesmo cumprir suas tarefas. João adia uma solução. A criada anda esquecida, chorosa, perguntando por gente há tempos morta, recordando acontecimentos da infância, e eu não sou de me envolver com as lamúrias dos outros, muito menos das serviçais. Não compartilho as dores e não sei oferecer conforto.
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Emiliana me faz pensar que a vida toda eu passei maquinando como me livrar das pessoas. Nunca de João.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

você vem a mim porque eu vejo a verdade das coisas. e as pessoas que veem a verdade assim é como se compartilhassem um segredo, como se fossem ligadas por um elo místico que os permite olhar para a coisa e ver a sua natureza revelada, e depois olharem-se uns aos outros sabendo-se terem chegado àquele entendimento.

mas o que eu quero é o delírio, a alucinação. não quero ver tanta verdade no que vejo. quero vendas e fumaça, poder fingir que ignoro tudo e que sou mais descansada dessa estúpida lucidez.

eu chego à verdade, mas não é a ela que busco. as verdades a que chego, eu quero transpor.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"i'm building memories of things we have not said
full is not heavy as empty not nearly, my love
not nearly, my love, not nearly"



hoje pintei as unhas de uma cor que você não iria gostar. um púrpura escuro, urbano. muito diferente do clarinho que você gostava, aquela cor que não dizia nada. a primeira vez que você reparou nas minhas unhas, eu as tinha deixado de roer, eu estava orgulhosa. mas na mesa do botequim, você disse: bonito, unhas vermelhas descascadas! não sei se com esse comentário você queria que eu me sentisse uma puta ou uma relaxada (logo você que nem pente em casa tinha), mas me entristeceu menos a reprovação que a falta de reconhecimento. por que mesmo estou falando isso? ah, sim. também me pintei. sombra perolada nos olhos, delineador bem marcado, três camadas de rímel. vesti minha saia verde longa brilhosa, uma blusa tomara-que-caia branca, um colar bem grande, um bracelete no pulso esquerdo (que de tão fino só se prendia já quase no cotovelo), os lábios de um batom rosa queimado, mousse e laquê nos cabelos e sandália de salto dourada. o cheiro do mousse e do laquê me lembram a noite. meu perfume, também. mas nem cheguei a tocar no frasco porque já é tarde e logo tenho que dormir, o perfume me agitaria. acho que as noites são sempre a memória de outras noites. elas não existem sozinhas. as manhãs, não. as manhãs são renovadas, são oportunidades, esperanças. as noites são o que resta - do que se tem, do que se é, e do que ainda se espera. estou bonita. queria que você visse como continuo magra e ainda mais bonita. queria que visse os novos penteados que aprendi. e que dissesse que uso muita maquiagem, que sou muito solene, que sou demasiado conservadora, que sou ultrapassada, que vivo em uma bolha isolada da verdade do mundo, que sou infantil e submissa. tenho sentido muita falta de ser ferida por você. porque quando você me feria, eu me sentia viva, eu sentia meu coração bater forte no peito, eu chorava e chorava e espirraçava dizendo que você era o sem razão. eu não deixei de acreditar nisso, apenas sinto falta de você discordando, me desafiando, me ferindo demais, querendo me ferir, porque talvez, no fundo - assim imaginei - essa fosse tua maneira de me alcançar. porque, se em um momento estávamos distantes e no outro nos dávamos as mãos e nos enfiávamos os corpos um no outro, isso não bastava. nunca basta, quando a gente ama. então é que hoje eu me sento em frente à tv, eu vejo as notícias, eu refaço as minhas censuras ao teu trabalho, ao teu modo de vida, à tua ideologia. espero tuas críticas de volta, já me são previsíveis. imagino detalhes do teu dia. fatos sobre o motorista, sobre o restaurante, sobre o chefe, sobre os amigos. o que dói mais: eu sinto o cheiro do sabonete lux com que nos banhávamos. eu sinto o cheiro dos teus lençóis, que mesclavam o cheiro do sabão em pó da tua velha máquina de lavar, com teu suor, com o cheiro do cigarro e do teu sexo. também do meu sexo, talvez. acho que o olfato é o sentido mais próximo do amor. se, por hipótese, não houvesse teu cheiro, o cheiro da tua casa, daqueles móveis antigos aos pedaços, do jantar sendo preparado na vizinhança, do teu sexo nos lençóis, do teu sexo na tua samba-canção, o cheiro adocicado do teu sexo pela casa inteira, o cheiro dos teus cabelos desordenados enquanto fazias festa nos meus peitos (e aqui se torna mais perigoso, porque começo a falar na segunda do singular, como naquele tempo), eu pudesse te esquecer ou nem mesmo tivesse chegado a te amar. eu sei, você não merece sequer a lembrança que guardo do teu cheiro, sequer a lembrança das coisas maiores ou menores. mas eu não deixo de me ferir enquanto tu te afastas, amas outras, somes, somes. porque me ferir é como ter você, tal como naqueles tempos ou novamente. e eu já deixo de me perguntar se quero que voltes (não quero), já deixo de me alertar o quanto foste me danoso, apenas mantenho-me ferindo a mim. não é uma dor, entenda, algo estático que se solidifica, mas sim algo que oscila, muda de intensidade, me deixa dormente, latejante, e me faz arder de novo. também não chega a ser uma doença, apesar de grave, muito grave. é tão somente uma medida íntima, muito íntima. um estranho mecanismo que encontrei para ser menos só.

domingo, 20 de março de 2011

cartas litorâneas III

a praia assim em dias nublados, em tons de cinza e marfim, é mais desnuda. nos dias de sol, há muitas cores, que nos distraem da verdade. em dias como este, a verdade nos parece inadiável.



seria mais excitante se você me fosse um estranho total e não soubesse nada sobre mim. porque cada coisa que se sabe sobre mim é tudo, porque carrego tudo o que sou em tudo o que sou - dos pedaços de unha cortados, dos cílios que me despencam dos olhos, ao poço remoto no coração.



está e sempre esteve tudo exposto. só que antes não havia seus olhos sobre isto o que sou, sobre este tudo de mim à mostra. então, não sei se devo instalar cortinas em volta de toda esta coisa revelada ou se devo te apontar e narrar esse tudo, me desculpando, me justificando ou me enobrecendo.



estamos lado a lado, de frente para o mar. de tempos em tempos, entre um silêncio e outro, olho arredia, de soslaio, para teu rosto, desço os olhos para teus braços e tuas pernas e Meu Deus, como você existe assim existindo e ponto, sem dúvidas, assim matéria, coisa certa, edificado. penso e desvio os olhos, de você para o mar, do mar para os seus braços pernas rosto, areia, céu, tudo muito rápido, que meu pensamento não tem linha, é aparição desordenada, que eu não quero que você perceba que eu te olho assim, com tanta incompreensão, que eu queria que fosse você quem olha e deseja e treme. mas você é firme, ancorado na areia. e eu querendo que eu quisesse te evitar, e você tranquilo pensando em qualquer coisa sem tanto pensamento, qualquer coisa menos emaranhada e fácil que eu.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

depois de muito adiar o espelho, enfrento-o. a velha cena de estar em frente ao espelho. tão corriqueira e agora tão dolorosa.


eu não preciso investigar meus olhos, para saber o que há neles. tudo em volta denuncia. a pele sebosa, os cravos evidentes, a sobrancelha extensa, mãos ressecadas, rachaduras nos pés, escoliose e muitos pelos. estou sempre nua e por ser reparada de um erro originário que também é o que sou.


entro no banho, olho para baixo e tudo o que vejo é um tapete de plástico limoso nos sulcos, endométrio escorrendo sobre as pernas e chegando ao ralo, e eu torcendo que isso fosse logo, e eu sentindo essa possibilidade de vida que se esvai tão corriqueira e dolorosa rumo a tristes galerias sanitárias, e eu pensando que você poderia ter sido aquele que me desgraçou com um filho, aquele que estragou tudo na minha vida, aquele que como um cão raivoso me arrancou um membro, aquele que ainda me fizesse chorar. mas você não chega a ser nem um motivo - um alvo onde eu possa destinar as pedras que o meu coração dispara.

alguém disse a alma é um vício (e era verdadeiro, porque era bonito). a solidão também.