quarta-feira, 21 de maio de 2008

do orgânico do ser I

A fome é o que nos faz primitivos. Não os instintos, o medo, a violência. Mas a fome inadiável. Maria alimentava-os, não se sabia se com pena ou desdém, se para mantê-los ou fazê-los apenas silenciar. Não se sabia se Maria saciava-lhes a necessidade primeira por compaixão ou mera conduta. O que Maria via naquelas bocas disformes, suplicantes, o que Maria sentia quando neles se assentava a fartura mendicante. As sobras do outro dia, os restos dos que virão. Ser ou deixar de ser não nos livra a ninguém.

sábado, 3 de maio de 2008

que mistério tem Clarice
sou uma imagem antes de ser uma existência. entenda, eu mesma, eu não me vejo. mas posso me reconhecer nos olhos dos outros, quando me vêem. porém não é sempre que me vêem, então eu me pergunto se minha existência está condicionada aos olhares dos outros, se só existo enquanto posso ser vista, ou se os olhares são apenas o ponto de partida para mais uma existência. e penso: quantas vezes posso existir? o que há entre uma existência e outra? qual o meu lugar no meio disso tudo? tenho eu a consciência de que não existo quando deixo de existir? alguém espera por mim, vela por mim, enquanto não existo? devo esperar pelo dia em que não vou existir em absoluto, em definitivo? existir é a origem do ser ou é aonde se quer chegar? existir é chegar e não existir é o mesmo que partir? há que se contruir algo, há que se derrubar? há que ser o tempo todo? seria minha existência uma imensa cegueira, um despropósito? posso me reconhecer nos olhos dos outros, nos tons do desgosto, nas palavras que morrem sem serem ditas, posso me reconhecer no antes e no depois, posso ser o não dito, posso passar a vida toda adiando esta compreensão,