quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Carta para o amor eterno (com a sensação de que eu podia ter dito muito mais)

Carlos, eu tenho um monte de coisas pra te dizer e hoje eu decidi que vou expurgar da minha garganta esses demônios a seu respeito. Carlos, você é um ser que, olha, eu não sei nem por onde começar, mas você me dá nos nervos. A começar pelo seu emprego, sabe. Que merda de trabalho é esse, Carlos?! Já te botaram pra trabalhar um mês inteiro sem folga, com uma jornada de trabalho monstruosa, que te suga, e você abaixa a cabeça e diz "sim". Carlos, tudo bem, é o SEU trabalho e longe de mim ser idealista, só que assim não dá. Você vive sendo explorado. E o pior, Carlos, você não tem ambição. Aceita tudo como se tivesse de ser assim e ponto. Tá sempre cansado, com dor de cabeça. Carlos, eu não me lembro da última vez que te vi disposto. Óbvio que o cansaço e as dores de cabeça não se devem apenas ao trabalho, mas às suas ressacas homércias. Carlos, não bastasse o seu trabalho pra te destruir, você bebe horrores! Você arranja assunto não sei de onde pra não sair do bar com seus amigos ébrios. Eu me sentia culpada em transar com você. Chegávamos em casa às 3am, enquanto você tinha que acordar às 7am. E transávamos. Depois você perdia o sono. Você não é como os outros homens que depois do gozo apagam. Você, ao contrário, perde o sono. É claro que eu gostava de ter alguém pra me amparar do sexo, depois do sexo. A gente conversava, e eu também perdia o sono. Mas o fato é que Carlos, você pouco dorme, mas parece que você vive num sono profundo, porque você não se dá conta de nada. Carlos, além de beber, você fuma com-pul-si-va-men-te. Você é uma chaminé ambulante, Carlos! Você fica ansioso quando ainda faltam cinco cigarros pro seu maço acabar! Carlos, você fuma mais que todos os seus amigos JUNTOS. O meu cabelo, eu mal posso aproveitar o cheiro de shampoo, que fica logo todo impregnado com esse fedor de fumaça. Eu fico sufocada, Carlos, mesmo. E você pouco se importa, você nem faz o esforço de fumar sequer um cigarro a menos. Foda-se o meu bem-estar. E além de fumar cigarros lícitos, você fuma os ilícitos também. E parece que você está constantemente emaconhado, numa leseira interminável. Eu me pergunto, Carlos, quando você vai acordar. Você fuma, mija e CHEIRA todo o seu salário de miséria. Carlos, seu pai ainda paga tua conta de celular, que eu tenho certeza, não sai barata, essas tarifas são um abuso. Outra coisa que me incomodava: teu bairro. Teu bairro fedia a amônia. Ok, vou ser mais clara: urina, era mijo puro a tua rua. Teu prédio, também, nada me agradava. Eu tinha nojo dos seus vizinhos. Nunca vi ter tanta velha e gorda num prédio só! Todo o mundo lá era louco. E eu vivia desconfiada de que o povo ouvia a gente transando. Porque, sabe, eu me preocupava com minha performance. Fazia gemidos dignos de filmes pornôs, e dos bons, hein. Eu sei que você gostava. Mas não me sai da cabeça que aquele seu vizinho maratonista-wannabe ficava com os ouvidos grudados na parede pra ouvir. Ah! AHAHAHAAHA Lembrei do dia em que a gente quebrou a cama. Ainda tá quebrada, Carlos? As outras sabem o motivo? Quantas você já comeu naquela cama? Aliás, você já consertou aquela infiltração na parede do quarto? Olha que um dia aquela parede ainda cai bem na hora em que você estiver comendo uma louca qualquer, tô te dizendo. Era horrível dormir naquela cama cheirando a mofo, aquela umidade digna de presídio. O concreto se desmontando sobre minhas pernas. Um dia qualquer aquela parede cai e você vai se deparar com seu vizinho bem do ladinho dela ouvindo os gemidos fingidos de uma louca qualquer. Tá, eu fingia. Sim, TODAS as vezes, absolutamente todas. Não, eu não sou frígida. Às vezes eu até te dizia a verdade "Não, amor, não cheguei lá, mas foi ótimo mesmo assim", pra fazer com que as vezes em que eu fingisse ter chegado "lá" fossem mais verdadeiras. Eu nunca soube quando você acreditava ou não em mim, então não fazia muita diferença mentir ou dizer a verdade sobre certas coisas. Mas eu odeio quando você insinua que sou dissimulada, que sempre fui. Eu te odeio tanto, Carlos, eu odeio o fato de ter me entregado a você, na mais asquerosa concepção de se entregar a alguém. Falando no teu apartamento, me explica aquela sua cozinha, Carlos. Não tem um armário que feche, as paredes tem no mínimo três centímetros de gordura e você deve ferrar com a caixa de gordura do prédio, com tanta porcaria que joga pelo ralo. Sabe, eu até sentia bastante prazer em lavar tua louça. Mas, poxa, tinha prato de mais de três dias, ou muito secos, com a comida toda grudada, ou um ecossistema de esgoto em cima da pia. Ai, Carlos, você não sabia fazer café. Lembra que eu te ensinei? E te ensinei a cozinhar arroz, também. Teu feijão era gostoso, o melhor que já comi na vida. Teu abraço, também. E teu beijo, embora não sem ressalvas: você podia explorar melhor a língua. Fica a dica pra quando você for pegar as próximas loucas. Todas são doidas, né, Carlos, quanta coincidência! Ai, eu pensei que fosse me esvaziar dizer tudo isso, mas está me cansando. Como eu me cansei de você e da sua mediocridade. Da sua vidinha pobre de submundo existencial. E tem mais, Carlos Alberto: seu nome é escroto.

sábado, 23 de agosto de 2008

diálogos II

Ele elogia meu 'decote'.
-Mas não pense que sou apenas um par de seios!
Ele faz cara de absurdo.
-Não, claro que não! És também um par de coxas.

sábado, 9 de agosto de 2008

a escultura perecível de nossos corpos errantes, enquanto tu me erravas no dentro de mim e eu me derramava em avessos pelos quadris, pelos peitos, pelos pelos, num fluxo incessante de arrependimentos, noites sem depois, ausências que se sucediam, dores que se precipitavam, esperas e ardências, a nossa incomunicabilidade, o esforço para estabelecer um fluxo que fosse, algo sem impedimentos, tardes e mais tardes, eu do teu lado, tu deserto, devolvendo-me à beira, ao que eu pertencia, ao que me pertencia, ao não pertencimento de coisa alguma, décadas sem mémoria nos teus olhos, tua não revelação, nosso imenso desencontro, eu errante, ao te buscar pelo avesso, pelos quadris, pelos pelos, no teu dentro imenso desencontro