domingo, 20 de março de 2011

cartas litorâneas III

a praia assim em dias nublados, em tons de cinza e marfim, é mais desnuda. nos dias de sol, há muitas cores, que nos distraem da verdade. em dias como este, a verdade nos parece inadiável.



seria mais excitante se você me fosse um estranho total e não soubesse nada sobre mim. porque cada coisa que se sabe sobre mim é tudo, porque carrego tudo o que sou em tudo o que sou - dos pedaços de unha cortados, dos cílios que me despencam dos olhos, ao poço remoto no coração.



está e sempre esteve tudo exposto. só que antes não havia seus olhos sobre isto o que sou, sobre este tudo de mim à mostra. então, não sei se devo instalar cortinas em volta de toda esta coisa revelada ou se devo te apontar e narrar esse tudo, me desculpando, me justificando ou me enobrecendo.



estamos lado a lado, de frente para o mar. de tempos em tempos, entre um silêncio e outro, olho arredia, de soslaio, para teu rosto, desço os olhos para teus braços e tuas pernas e Meu Deus, como você existe assim existindo e ponto, sem dúvidas, assim matéria, coisa certa, edificado. penso e desvio os olhos, de você para o mar, do mar para os seus braços pernas rosto, areia, céu, tudo muito rápido, que meu pensamento não tem linha, é aparição desordenada, que eu não quero que você perceba que eu te olho assim, com tanta incompreensão, que eu queria que fosse você quem olha e deseja e treme. mas você é firme, ancorado na areia. e eu querendo que eu quisesse te evitar, e você tranquilo pensando em qualquer coisa sem tanto pensamento, qualquer coisa menos emaranhada e fácil que eu.