segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

I
demorei a traçar estas linhas, e acredito sejam dois os motivos que me levaram a esta recusa: o medo de que os momentos que aqui procuro relatar tivessem sido contaminados pela mácula da culpa e o medo de que me leias e vejas a verdade do que digo. começo por dizer que a pele é a fronteira do desejo, mas a pele não nos leva a lugar nenhum, pois como toda fronteira é passiva, sujeita a, e não por si só, ainda que eu tenha levado uma vida inteira na tentativa de justificar meus piores atos na vontade dela. neste caso, não foi a pele o que me permitiu, ou de onde nasceu, a vontade que eu criei e plantei em você. e vem daí o surgimento primeiro desta culpa. fui eu a responsável pelo teu desejo, pelo meu desejo que cria o desejo alheio de si: o teu. isso me remete às longas conversas recentes com amigos sobre teologia e religião. me sinto mais eva do que mulher. penso nos livros que estudam a genealogia da moral, nos filósofos que tu não conheces nem chegarás a conhecer, a não ser por mim. penso que moral & culpa nasceram e permanecem juntas, mesmo a moral laica, se é que hoje conseguimos alcançá-la, ou secularizá-la. mas em busca de ser maior, resolvi abandonar tanto pensamento, que o pensamento às vezes chega a congelar as mãos, as pernas, o corpo. resolvi deixar de pensar se o que vivemos, eu tu eu os outros, são erros ou acertos, procuro encarar o que decorre de minhas escolhas como acontecimentos. meros acontecimentos, fatalidades, surpresas encantadoras, passos a frente, histórias para se contar. e, neste sentido, não foi o apelo do seu corpo (veja que procuro reconstituir esse calvário-sem-dor) o que me alvoroçou a pele, mas o homem que vi em ti, se assim posso definir a forma do meu desejo, tuas virtudes tão claras e ao mesmo tempo tão leves. não te pesa nunca ser um homem assim? trazer nos ombros tanta coerência e responsabilidade não te cansam? confesso, aqui, ser também um desejo meu a tua fraqueza, como, acredito, é parte de todo o desejo eros - desejar o outro pela sua força, mas desejar sua fraqueza, pois que em sua fraqueza é o lugar onde posso me alojar, criar a força que nem o outro nem eu temos. eu acredito que amar é inventar essa força, e ser forte e generoso a ponto de não desejar mais a fraqueza do outro e não deixar de desejá-lo, superando assim a destrutividade do desejo.