quinta-feira, 24 de abril de 2008

Eu só queria as suas mãos na minha para atravessar a rua estreita desta noite escura. Só tuas mãos nas minhas e a fé deste momento. I. dizia que a fé é irresistível, sobretudo em épocas de pouca fé; I. existia. De repente, era como se houvesse um incêndio na Avenida ao lado. De repente, havia. Uma luz forte irrompia o céu. Ninguém deixava os prédios, ninguém corria nem gritava. Ninguém morria, além de nós, no meio daquela noite estreita nesta rua escura. E éramos nós a retraçar o horizonte, remontando os destroços que carregávamos dentro do peito. Não te desespera que ainda sejamos os mesmos, trancorridos o tempo e a chuva?

Tu não viste - dois carros na ponte. Tu não viste - uma mulher grávida. Tu não viste - um cego a caçar galinhas. Eu que nunca me dou conta das paredes, hoje resolvi: entre elas, entre nós, não mais estes segredos absurdos, corrosivos.

Ficar ou partir nunca é gratuito, dizia a puta do filme. As mulheres ressuscitam umas nas outras, as honradas ressuscitam nas putas, as putas ressuscitam nas honradas, disse J.S. Descobertas minuciosas de que padecemos todas.

A cidade suspensa, desacreditada de nós. Eu não era capaz de separar o sentimento da doença, nem mesmo agora depois da consciência de que eram coisas distintas. Caberia, aqui, referir-me aos outros tantos e impertinentes casos? Aqui já não cabe mais nada.