segunda-feira, 11 de abril de 2011

você vem a mim porque eu vejo a verdade das coisas. e as pessoas que veem a verdade assim é como se compartilhassem um segredo, como se fossem ligadas por um elo místico que os permite olhar para a coisa e ver a sua natureza revelada, e depois olharem-se uns aos outros sabendo-se terem chegado àquele entendimento.

mas o que eu quero é o delírio, a alucinação. não quero ver tanta verdade no que vejo. quero vendas e fumaça, poder fingir que ignoro tudo e que sou mais descansada dessa estúpida lucidez.

eu chego à verdade, mas não é a ela que busco. as verdades a que chego, eu quero transpor.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"i'm building memories of things we have not said
full is not heavy as empty not nearly, my love
not nearly, my love, not nearly"



hoje pintei as unhas de uma cor que você não iria gostar. um púrpura escuro, urbano. muito diferente do clarinho que você gostava, aquela cor que não dizia nada. a primeira vez que você reparou nas minhas unhas, eu as tinha deixado de roer, eu estava orgulhosa. mas na mesa do botequim, você disse: bonito, unhas vermelhas descascadas! não sei se com esse comentário você queria que eu me sentisse uma puta ou uma relaxada (logo você que nem pente em casa tinha), mas me entristeceu menos a reprovação que a falta de reconhecimento. por que mesmo estou falando isso? ah, sim. também me pintei. sombra perolada nos olhos, delineador bem marcado, três camadas de rímel. vesti minha saia verde longa brilhosa, uma blusa tomara-que-caia branca, um colar bem grande, um bracelete no pulso esquerdo (que de tão fino só se prendia já quase no cotovelo), os lábios de um batom rosa queimado, mousse e laquê nos cabelos e sandália de salto dourada. o cheiro do mousse e do laquê me lembram a noite. meu perfume, também. mas nem cheguei a tocar no frasco porque já é tarde e logo tenho que dormir, o perfume me agitaria. acho que as noites são sempre a memória de outras noites. elas não existem sozinhas. as manhãs, não. as manhãs são renovadas, são oportunidades, esperanças. as noites são o que resta - do que se tem, do que se é, e do que ainda se espera. estou bonita. queria que você visse como continuo magra e ainda mais bonita. queria que visse os novos penteados que aprendi. e que dissesse que uso muita maquiagem, que sou muito solene, que sou demasiado conservadora, que sou ultrapassada, que vivo em uma bolha isolada da verdade do mundo, que sou infantil e submissa. tenho sentido muita falta de ser ferida por você. porque quando você me feria, eu me sentia viva, eu sentia meu coração bater forte no peito, eu chorava e chorava e espirraçava dizendo que você era o sem razão. eu não deixei de acreditar nisso, apenas sinto falta de você discordando, me desafiando, me ferindo demais, querendo me ferir, porque talvez, no fundo - assim imaginei - essa fosse tua maneira de me alcançar. porque, se em um momento estávamos distantes e no outro nos dávamos as mãos e nos enfiávamos os corpos um no outro, isso não bastava. nunca basta, quando a gente ama. então é que hoje eu me sento em frente à tv, eu vejo as notícias, eu refaço as minhas censuras ao teu trabalho, ao teu modo de vida, à tua ideologia. espero tuas críticas de volta, já me são previsíveis. imagino detalhes do teu dia. fatos sobre o motorista, sobre o restaurante, sobre o chefe, sobre os amigos. o que dói mais: eu sinto o cheiro do sabonete lux com que nos banhávamos. eu sinto o cheiro dos teus lençóis, que mesclavam o cheiro do sabão em pó da tua velha máquina de lavar, com teu suor, com o cheiro do cigarro e do teu sexo. também do meu sexo, talvez. acho que o olfato é o sentido mais próximo do amor. se, por hipótese, não houvesse teu cheiro, o cheiro da tua casa, daqueles móveis antigos aos pedaços, do jantar sendo preparado na vizinhança, do teu sexo nos lençóis, do teu sexo na tua samba-canção, o cheiro adocicado do teu sexo pela casa inteira, o cheiro dos teus cabelos desordenados enquanto fazias festa nos meus peitos (e aqui se torna mais perigoso, porque começo a falar na segunda do singular, como naquele tempo), eu pudesse te esquecer ou nem mesmo tivesse chegado a te amar. eu sei, você não merece sequer a lembrança que guardo do teu cheiro, sequer a lembrança das coisas maiores ou menores. mas eu não deixo de me ferir enquanto tu te afastas, amas outras, somes, somes. porque me ferir é como ter você, tal como naqueles tempos ou novamente. e eu já deixo de me perguntar se quero que voltes (não quero), já deixo de me alertar o quanto foste me danoso, apenas mantenho-me ferindo a mim. não é uma dor, entenda, algo estático que se solidifica, mas sim algo que oscila, muda de intensidade, me deixa dormente, latejante, e me faz arder de novo. também não chega a ser uma doença, apesar de grave, muito grave. é tão somente uma medida íntima, muito íntima. um estranho mecanismo que encontrei para ser menos só.