domingo, 20 de fevereiro de 2011

depois de muito adiar o espelho, enfrento-o. a velha cena de estar em frente ao espelho. tão corriqueira e agora tão dolorosa.


eu não preciso investigar meus olhos, para saber o que há neles. tudo em volta denuncia. a pele sebosa, os cravos evidentes, a sobrancelha extensa, mãos ressecadas, rachaduras nos pés, escoliose e muitos pelos. estou sempre nua e por ser reparada de um erro originário que também é o que sou.


entro no banho, olho para baixo e tudo o que vejo é um tapete de plástico limoso nos sulcos, endométrio escorrendo sobre as pernas e chegando ao ralo, e eu torcendo que isso fosse logo, e eu sentindo essa possibilidade de vida que se esvai tão corriqueira e dolorosa rumo a tristes galerias sanitárias, e eu pensando que você poderia ter sido aquele que me desgraçou com um filho, aquele que estragou tudo na minha vida, aquele que como um cão raivoso me arrancou um membro, aquele que ainda me fizesse chorar. mas você não chega a ser nem um motivo - um alvo onde eu possa destinar as pedras que o meu coração dispara.

alguém disse a alma é um vício (e era verdadeiro, porque era bonito). a solidão também.