confessionária III
Estou sempre dividida, mas você me vê como alguém em pedaços. Não consigo ser de um lado só, porque vejo riqueza em tudo. Você vê fragmentação onde eu vejo multiplicidade. Então, não é porque você não consegue ver o mesmo, que eu vou aniquilar as minhas impressões do mundo. Você não é os meus sentidos, e a vida do mundo não depende do seu olhar. E é por isso também que eu te amo: você é uma outra visão das coisas - uma visão que me irrita, uma visão da qual eu discordo, mas a sua insistência nela me provoca alguma admiração. Ou talvez eu te ame porque não te entendo. Não te entendo mas te acato. Acato até mesmo sua incompreensão do mundo, essa visão que não consigo ter. E me enebrio com o pensamento de amar o que não sou, de amar quem não tem nada de mim, de amar o seu ímpeto indomável de julgar o mundo. De amar esse alheamento de mim que em nada me diz respeito. De amar a força com que você defende as piores opiniões - o preconceito, o radicalismo, a hipocrisia. De amar, talvez, no fundo, o meu inconformismo quanto a quem você é, aceitando, no fundo, e, mesmo, desejando: que você nunca seja quem eu quero que seja.