Não fosse o amor por Marcelo, Mariana não teria dúvidas. Deixaria a cidade e, destemida, assumiria-se como mulher de seu tempo. Guardava em seu íntimo a crença inabalável de que a devoção por Marcelo e pelo amor que ela o tinha a manteriam viva e acesa, enquanto houvesse. Não haveria. Contudo, na vida como no conto, é triste precipitar o fim; é precipício. Estremeço.
Ana hoje estava a me contar da lua anoitecida de ontem. "E parecia mais noite porque eu já não o tinha." E parecia mais doce Ana triste assim, agarrada ao meu colo, extraindo vida de meu peito. Carolina no outro canto da sala, contemplando e querendo ser Ana. Eu adivinhava volúpia em seus olhos. Também não diria, pois que quando se diz, há algo que se quebra. E eu amava, entontecida, a volúpia fria de Carolina à margem.
E nada de Mariana voltar da varanda. Era estranho vê-la só, ainda que sabendo-a visceralmente atada a Marcelo. Qualquer afastamento, por breve que fosse, entre o casal ma parecia ruptura de nervos no desespero da fuga. Não era isto o que ocorria. Marcelo noutra esquina, irritantemente acessível. Mariana, então, fechava o olho direito, mantendo o esquerdo fixo, estendia o braço direito lentamente, depois o esquerdo, mantendo aquele em altura superior. Chamavam-lhe cuidado a obsessão. Eu diria uma loucura morna que só eu via e tinha medo de ver.
Os outros - Dr. Marco Aurélio, Dona Augusta, Seu Lourival, a menina Clara, e até mesmo Carlos Henrique. Os outros não enxergavam a secante afiada que surgia de Mariana ao me ver e não ver, ao vê-los e não ver ninguém. Se viessem a me perguntar por que não evitá-la, por que não desviar-me do gume que se lança quando ela estática me destina os olhos, eu diria que Mariana não fere, mas que gosto de pensar que me firo quando na mira de seu não-olhar.
Ainda aqui, não consigo falar dos motivos, não atinjo o distanciamento plausível para contar da candura, da morbidez, e do torpor infiltrados em Ana. De Marcelo homem. De Carolina no avesso da lucidez. Isto porque da sala via Mariana imóvel, imutável, intransponível. Eu na aridez angustiada de não sê-los. E no delírio profano de ser-lhes à beira.