Confessionária
Primeiro, o calor do meu hálito, depois, a ponta da língua, nunca tão leve, pousei-a sobre meu ombro esquerdo, a língua ainda tímida, surgindo entre os dentes, beijei-me com duas ondas, não havia suor, beijei-me com tamanho ardor que cheguei a apertar meu braço esquerdo com minha mão direita e apertei forte com meus dedos sem esmalte, não senti gosto algum, mas o gosto ficou. No aparelho de som, uma voz de nome bíblico cantava e repetia versos em inglês, algo como you and me and the sea and the breeze, que não quero lembrar agora, mas fazia sentido. Encolhi as pernas, tranquei-as com os braços como se me protegesse o ventre. Algo como quando eu experimentava a morte, na piscina, submersa, nãopossorespirar, nãopossorespirar, os sons distorcidos, um pouco mais de silêncio, um silencio tão denso quanto a água, esse desfalecimento. Virei-me de bruços para a cama, o corpo ainda trancado, éprecisorespirar, éprecisorespirar. Experimentei morrer novamente, mas morrer sobre a cama não tem tanta paz quanto morrer na piscina lá de casa, morrer na cama não é azul. E vá lá, eu não queria nem quero morrer. Ainda mais depois daquele beijo. O ombro melado, a saliva secando e repuxando a pele. O braço doído do meu aperto. Quantas vezes mais será necessário ressarcir-se da dor? Agora tudo me parece mais fácil, mesmo que para os outros seja incompreensível. Ainda mais depois daquele beijo.