Eu não consigo ir à rua sem ter pressa. Eu preciso estar atrasada para deixar a casa, é preciso que seja urgente e inadiável minha saída, eu preciso sempre voltar depressa à casa. João nunca se contenta com o que escolho para a dispensa. Falta azeite e picles. Eu preciso ir à rua, preciso pegar a correspondência que nos deixam nos correios. Esta casa fica longe de tudo. Bons foram os tempos antes da granja falida. João não convida mais os amigos para jantar. Faz anos que não pinto as unhas. Meus cabelos têm ficado mais ralos e o olhar mais frágil. João faz que não vê muitas coisas. O que seriam dessas criadas sem as minhas orientações. O gigantismo das portas e janelas é oponente e opressor, mas não temo imensidões e abandonos como estes. João joga cartas, só. Não sei de onde João tirou esse tom de gravidade na fala e no olhar. Ontem, me deu a mão enquanto saíamos da missa. Tive muito medo de sorrir, tive medo de que João notasse minha felicidade quase incontida. Eu amaria João mesmo que João fosse um homem sem sucessos. Caminhamos até o carro, estava frio. Voltamos à casa, as luzes dos postes estavam mais trêmulas. É bom que moremos distantes de tudo. É bom que haja uma ponte entre a aqui e a cidade.
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