sábado, 4 de outubro de 2014

Se me arrependi, foi de não ter te traído. Hoje, penso que teria sido ao menos divertido. Ter te traído com todo e qualquer tipo de homem. Perdedores, artistas, atletas, loucos. Tipos de homens que desprezarias. Se me arrependi, foi de não ter trocado teu nome com o de um antigo amor, como planejei tantas vezes, para te ferir. Se me arrependi, foi de não ter te maltratado, como faço agora, em pensamento.
~
Tenho sido perversa. E me divertido muito mais.
Primeiro eu quis
Um resto de luz
Uma coisa qualquer em que eu pudesse me pegar

Nada nem ninguém me devolveu a fé

Tive que buscar Outras palavras
Banhar-me em Outros rios
E terminar na correnteza inevitável
Que leva à saudade vazia

Lamentei a demasia
Envergonhei-me de minha doação
Prometi não ser a mesma
Vesti-me de apatia
Deslizei sobre Outros corpos
Ninguém mais me possuía

Nenhuma dor me atingia
Distraí-me com homens ricos, homens belos, fantasias
Brilho, bebida e glória
Nem amor nem agonia

Desaguei-me na saudade
Na correnteza
Das horas frias

Nem amor nem agonia
Tinha ao menos a lembrança
Das histórias
Daqueles dias
quem sou eu
em branco
à noite

ou então coçando a dobra dos peitos suados
andando encurvada pela casa
sentindo pontada no estômago
com a cabeça desfarelada

a confusão do mundo
leva e traz as pessoas
engana
dilacera
desencontra
atropela

tem é que se buscar um espaço
não de ordem
mas de trégua

uma brecha
uma centelha
um desatino
uma quimera

tem que se guardar na memória
alguns instantes de luz
que vão iluminar o caminho, depois

todo desejo de felicidade
é a lembrança de alguma felicidade
esses últimos tempos
têm sido tempos de mudanças

quando um laço desenlaça, que é que ele faz?
-ele balança.
Se te amava
Nem me lembro

Amo abajures, amo azuis, amo o relento
Posso mesmo ter te amado

Se te amava
É bem possível
Que por muito tempo
Não te visse como és
(E te achasse mais incrível)
Mas um outro alguém
Revestido de minha poesia
Transbordamento do meu desejo

É bem possível que tenha te amado
Amo margens, amo vilas, amo o tempo
Por que não amaria
Um menino desarmado
Brincando de soldado
Inventando mil batalhas
Tentando dominar o vento?

Se te amava
É que eras
Apenas um pretexto
Para imensidões e profundezas
Que de dentro de mim
Queriam reunião

Se te amava
(Se é que te amei)
É que em algum momento
Eu tenha pensado
Que me conceder a ti
Me faria menos só

Se te amava
Me enganei

Se te amei
(E já nem me lembro)
Era
Uma febre que passou
Uma insistência qualquer
Um erro necessário

Se ter te amado
(Como eu não me lembro)
Me fez quem sou agora
-banho de cachoeira,
trilha íngreme,
mar aberto -
ter te amado me curou
da ilusão do amor

E eu já sem tanta ilusão
Agora sou mais feliz
Não porque sonho menos
Mas porque sei lidar
Com a verdade e o horror

Juro que tentei
te amar sem críticas
te amar apesar de tua dureza
te amar apesar de tuas dúvidas
te amar apesar de tuas certezas

Juro que quis
abandonar minha religião e fazer da tua palavra meu credo
me render a tuas vontades
perder o medo de te querer

E te amei
apesar de minhas críticas
apesar de tuas críticas
carregada sempre de uma saudade incurável
(porque nunca nos alcançávamos)

Juro que te amei
e consegui te amar
apesar de tudo em você
me negar permanência
me negar certeza
me negar calor

E como nada me concedias
passei a buscar
qualquer coisa
que me consolasse de tanto amor

Te amei
no desconforto do teu me ignorar

Mas fui crescendo tão grande
no avizinhamento de tua ausência,
fui me habituando tanto a ser sem ti do teu lado,
que ser sem ti e sem teu lado me doeu bem menos

Construí tantas pontes dentro de mim
criei um mundo tão meu, para me distrair da tua distância
que sofrer tua distância já era bem menos interessante que passear no meu mundo

De tanto não te esforçares
-me entregava, e não me recebias-,
devolvi-me a mim
(ou tu me devolveras e eu soube me receber)
E de volta a mim,
assim tão plena,
descobri que amei
minha própria generosidade
minha inventividade
meu jogo de arriscar amar

Mas ainda tenho
saudades incuráveis
-a saudade de uma infância,
a saudade do ingênuo,
a saudade daqueles sonhos,
não de ti