fazia tempo que Clara não sabia o que era ter um homem doce. Clara tinha estabelecido que se apegaria a aspectos aleatórios, nos homens. sabia qual seria o fim da história se passasse a vê-los como homens-homens, então se distraía com qualquer coisa que elegia neles para sustentar o resto do que eles eram sem atentar para o resto do que eram: a beleza, as tiradas bem-humoradas, os músculos, os esportes que praticavam, o gosto musical, as conquistas profissionais. os homens seriam um objeto para seu deleite: corpo, entretenimento, admiração estética, pretexto literário.
Bruno era lindo. lindo. Clara sabia que a beleza, muitas vezes, é só uma promessa. não apenas uma promessa que não se cumpre, mas uma promessa que se revela o oposto. por isso, preferia que a promessa continuasse promessa. Clara conhecia bem a tragédia que viria depois da beleza, depois dos músculos, depois das tiradas de humor, depois do gosto musical, depois dos esportes que praticavam e depois das conquistas profissionais. Clara previa, a todo o tempo, a miséria que se anunciava depois do encantamento, e zelava para não ultrapassar jamais o encantamento. aprendera a deixar os homens e a deixar que os homens a deixassem. permitia-se tê-los, permitia-lhes que a tivessem. vinha se permitindo mais, e vinha sendo menos permissiva. Clara havia tomado as rédeas de si. os homens a tinham por breves momentos, mas era somente Clara a dona de seus desígnios. o medo dos homens era o que mantinha em Clara uma espécie de integridade protetiva, uma espécie de sustentação emocional, e Bruno a desmontou, porque era carinhoso. e doce. sutil, pacífico. Clara era um bloco de caramelo duro, que resiste à força, mas não ao calor. Clara era dura, e doce.
Bruno saiu do banho e foi beijar Clara. é bom o beijo de quando se sai do banho. a gente sai do banho refrescado, novo. e o beijo fica assim, também. fica até mais puro. Bruno fazia Clara chegar mais perto da própria pureza. uma pureza abandonada, descrente. Bruno era perigoso porque, muito provavelmente, faria Clara amar de novo. baixar a guarda. declinar a guerra fria que havia travado com os homens. no entanto, Bruno, que representava um risco, fazia Clara recuperar a confiança em si mesma. entregava-lhe as chaves do carro, as chaves da casa, acreditava que Clara pudesse cuidar das suas coisas, não como uma detentora apenas, alguém que cumpre ordens e que está sendo testado, mas como uma pessoa simplesmente capaz de gerir a vida prática. por si, sem crivo e sem ser avaliada. estar com Bruno era como ser embalada por uma melodia de paz, de reconciliação. pensar em Bruno era ouvir Corinne Bailey Rae, sentir-se renovada, saída do banho, beijando refrescante. Bruno era perigoso, porque era perigo sem ameaça.