domingo, 19 de abril de 2015

a história das minhas paixões: construir uma embarcação, domar o mar, sozinha, em uma noite sem lua, vencendo as tempestades, chegar, exausta, aos pés de quem amo, e tímida e mansa não saber pedir o abraço que mereço receber.



"Sonhei que construía um barco
Sonhei que sabia o que fazia
e com este me lançava ao mar
uma noite sem lua
em que não se distinguia
água de céu
da negrura de um horizonte
que fundia terra com mar

a estrela e o timão
Vento, conduza minha intuição
não há outra guia além desta
sensação de imensa liberdade

Córsega
Córsega
Córsega

no sonho te buscava
e no mesmo te encontrava
por mais incrível que fosse
meu barco chegava a teus pés

tantas noites de alto-mar
cavalgando tempestades
finalmente estou pronta para fincar
a âncora da vitória

a estrela e o timão
Vento, conduza minha intuição
não há outra guia além desta
sensação de imensa liberdade

Córsega
Córsega
Córsega
Córsega

no sonho te buscava
e no mesmo te encontrava
por mais incrível que pudesse ser
depois de ter domado o mar
não sobra mais coragem
neste corpo exausto
tímida e mansa não sei pedir
o abraço que mereço receber"

sexta-feira, 17 de abril de 2015

volta, Binho
num guento mais abraçar travesseiro
tomar café feito por mim
não ter quem me espere quando eu saio do banho

sério, Binho, volta logo
num guento mais ter insônia
fritar bolinho a noite inteira
abraçando travesseiro
não ter quem esperar sair do banho

Binho, volta antes que eu quebre algum copo
que eu manche o piso,
que eu esqueça a torradeira ligada,
que eu bata o carro

Binho, volta,
eu tô ficando insana
o tempo não tem feito as coisas mais fáceis
e eu num guento mais abraçar travesseiro

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Prosopopeia
 
1) As paredes da casa espiam a minha solidão. Tecem uma conversa muda sobre como a casa não faz sentido sem Bruno. 

2) O sofá da casa se compadeceu. Abraçou-me solidário e desinteressado, ciente de que era um abraço incompleto, porque não era o abraço de Bruno.

3) As janelas estremeceram porque o vento gritava. O vento vinha me dar um recado, arrebatar-me na mesma entoada do desassossego que Bruno deixara, contar-me que um pouco do mundo partilhava da mesma inquietude. 

terça-feira, 14 de abril de 2015

Ana começara a escrever um livro. Intitulara-o Nove formas de ser só. Sim. Ser só tem graduações e maneiras. É uma ciência, exige procedimento. Ana estava disposta a destrinchar as formas de ser só. Por enquanto, só tinha o título, e a solidão. E também uma amigdalite que surgira há dois dias. Mais uma de muitas, o que obrigara Ana a aprender a se curar. Adoecer, tratar-se e curar-se só é de um empoderamento imenso. Da ciência rústica à ciência refinada de ser só: Ana desconfiava que sabia e aprenderia muito.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

fazia tempo que Clara não sabia o que era ter um homem doce. Clara tinha estabelecido que se apegaria a aspectos aleatórios, nos homens. sabia qual seria o fim da história se passasse a vê-los como homens-homens, então se distraía com qualquer coisa que elegia neles para sustentar o resto do que eles eram sem atentar para o resto do que eram: a beleza, as tiradas bem-humoradas, os músculos, os esportes que praticavam, o gosto musical, as conquistas profissionais. os homens seriam um objeto para seu deleite: corpo, entretenimento, admiração estética, pretexto literário.
Bruno era lindo. lindo. Clara sabia que a beleza, muitas vezes, é só uma promessa. não apenas uma promessa que não se cumpre, mas uma promessa que se revela o oposto. por isso, preferia que a promessa continuasse promessa. Clara conhecia bem a tragédia que viria depois da beleza, depois dos músculos, depois das tiradas de humor, depois do gosto musical, depois dos esportes que praticavam e depois das conquistas profissionais. Clara previa, a todo o tempo, a miséria que se anunciava depois do encantamento, e zelava para não ultrapassar jamais o encantamento. aprendera a deixar os homens e a deixar que os homens a deixassem. permitia-se tê-los, permitia-lhes que a tivessem. vinha se permitindo mais, e vinha sendo menos permissiva. Clara havia tomado as rédeas de si. os homens a tinham por breves momentos, mas era somente Clara a dona de seus desígnios. o medo dos homens era o que mantinha em Clara uma espécie de integridade protetiva, uma espécie de sustentação emocional, e Bruno a desmontou, porque era carinhoso. e doce. sutil, pacífico. Clara era um bloco de caramelo duro, que resiste à força, mas não ao calor. Clara era dura, e doce.
Bruno saiu do banho e foi beijar Clara. é bom o beijo de quando se sai do banho. a gente sai do banho refrescado, novo. e o beijo fica assim, também. fica até mais puro. Bruno fazia Clara chegar mais perto da própria pureza. uma pureza abandonada, descrente. Bruno era perigoso porque, muito provavelmente, faria Clara amar de novo. baixar a guarda. declinar a guerra fria que havia travado com os homens. no entanto, Bruno, que representava um risco, fazia Clara recuperar a confiança em si mesma. entregava-lhe as chaves do carro, as chaves da casa, acreditava que Clara pudesse cuidar das suas coisas, não como uma detentora apenas, alguém que cumpre ordens e que está sendo testado, mas como uma pessoa simplesmente capaz de gerir a vida prática. por si, sem crivo e sem ser avaliada. estar com Bruno era como ser embalada por uma melodia de paz, de reconciliação. pensar em Bruno era ouvir Corinne Bailey Rae, sentir-se renovada, saída do banho, beijando refrescante. Bruno era perigoso, porque era perigo sem ameaça.

sábado, 11 de abril de 2015

Binho na varanda é lindo
coçando a perna dos mosquitos
mexendo com os pelos do peito pra se distrair
sem camisa bebendo cerveja no copo de requeijão

Binho na varanda é lindo
conversando comigo sem olhar pra mim
com a mão no queixo de preocupação
e o jornal no colo

Um dia eu quis casar com Binho
ver Binho fazendo coisas de marido
tirando o ar da bomba
consertando o encanamento da pia da cozinha
trocando o chuveiro, a torneira, a maçaneta
sendo impaciente comigo

Binho  é um pecado que eu não resisto
Binho na varanda é lindo
e me paralisa

Binho me paralisa
sem trazer paz

sexta-feira, 10 de abril de 2015


amar é certeza e risco

quinta-feira, 2 de abril de 2015

diálogos inescrupulosos
 
 
- estou surpreso com o modo com que você tem lidado com todos esses fatos, parece que você realmente quer que as coisas deem certo para mim.
 
- eu não quero que as coisas deem certo para você. eu quero que as coisas deem errado sem a minha interferência.