quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Anteontem tinha roda de capoeira, na rodoviária. Estava bonito, cada um parecia uma mola; é preciso ser muito forte para envergar e não se quebrar nem desequilibrar. A força nem sempre é dura. Entre a rodoviária e minha casa, tem uma ponte. Debaixo da ponte corre um rio. E é bonito enquanto eu passo sete passos olhando o rio. Minha pressa é menor, por sete passos. O rio está baixo, mas eu não lamento o rio baixo, como fazem as outras pessoas. Eu aprecio as pedras, que só aparecem porque o rio está baixo. Hoje de manhã, a gata da vizinha apareceu aqui. É uma gata marrom, muito peluda e muito séria, mas que não rejeita carinho. Sentei-me ao chão, na varanda, para mimar a gata. Não por ela, por mim. A vizinha apareceu, encontrou a gata, não se aproximou, apenas olhou e sorriu, solidária e um pouco surpresa. Agora à noite, voltando do restaurante, parei uns instantes para alisar a testinha de um cão vira-lata preto bem pretinho, que vive triste na escada da vila. Vive ensimesmado, quase não se mexe. Ainda não tive coragem de perguntar se ele tem dono ou ao menos alguém que cuide, porque tenho forte tendência a abarcar responsabilidade, e responsabilidade traz preocupação. Omitir-se pode não ser correto, mas às vezes encontramos mais tranquilidade na omissão; é só listar justificativas para sanar a culpa e uma culpa pequena vai sendo absorvida pelos dias, e compensada pelo sofrimento das pequenas injustiças a que somos acometidos. No fim, tudo é uma questão de discurso. Incrível como essa cidade tão cedo se tornou familiar. Tudo bem, até hoje não consegui descobrir a lógica das linhas de vans e kombis, mas saindo do ponto final, e virando referência na localidade, logo algum motorista me grita apressado Fórum-Fórum! Eu tenho esse talento: o de transformar lugares e pessoas rapidamente em coisas familiares. O cão não festejou meu afago, e de repente eu me vi no cão. Tão só, tão só, tão sedimentado na solidão, que nem uma possibilidade de companhia lhe entusiasma. A solidão de quem conhece o desengano, o cansaço do mundo nos olhos, enfiado no poço da descrença. Ainda assim, eu resisto, eu nutro uma fé na comunhão. Apesar de eu ser muito só (ou mesmo por isso, talvez, quem sabe), qualquer lugar é casa, qualquer pessoa é irmã. 

Um comentário:

Unknown disse...

Poxa, não sabia que era famosa nos blogs... Parabéns pelo texto . Bjs Fernando c.