quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Eu nunca mais fui à praia. O pontal agora estava mais deserto. As casas e as ruas também morrem, talvez essa fossem a mensagem da destruição que obriga ao abandono e deixa um gosto de tristeza nas fotos e na lembrança. Tantos haviam deixado seus verões no fundo daquelas águas intempestivas, que poderiam ser o mar de qualquer litoral, mas era o princípio de minha memória. Dali em diante, as águas daquele mar seriam minha história, as águas sem-fim.

Não tenho nada a ver com Caio e Ana, mas eles me pedem, cada um em seu íntimo, que eu os diga. Não tenho nada a ver com Caio nem Ana, mas já choramos no mesmo vagão. Caio e Ana estavam lá, no cenário da minha memória. Um dia, me visitariam num fim-de-tarde para falarmos dos filhos que não tiveram e do quanto nos custou a vida.

Ana, vestida de festa, não pôde conter a ânsia de ver o mar desabando sobre seus pés. Era como se todas as coisas estivessem à espera daquele momento. Porque Ana se dedicava à admiração das coisas. Embalava-as com seu olhar, tinha um monte delas nos olhos. (Eu pensava que a vida de Ana concentrava-se neles. Certa vez, aproximei-me quase a ponto de tocá-los. Hesitei a tempo de manchar com o toque aquele fundo, o espaço onde Caio e Ana me vinham.) Caio dizia muitas palavras duras, que se petrificavam na sua rouquidão. Caio dizia pedras. Ana se calou. Deixou a fala de Caio suspensa no ar, sem revanche. Aprendera que, para Caio, a decepção era uma forma de conquista. Assim, Ana o mantinha sem contê-lo. Naquele tempo, era mais difícil o querer conjugado à dor. "É estranho que me ames, a despeito de minha aridez." E foram tomados, até mesmo Caio, por um constrangimento passageiro. Logo as coisas retomariam sua velha ordem de ser, presumia Ana, antecipando seu alívio. Ana cada vez revelava-se menos, cobria o colo, não deixava que ele a visse no banho. Ana, subversiva, pensava "É estranho que o ame, a despeito de minha aridez".

Um comentário:

Clóvis Struchel disse...

Densidade plena, belezas tão próprias, tão suas; ora tristemente belas, mas é que tem tristezas que a poesia enfeita.



Beijos, sua bonita.