segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como imaginar que a manhã despretenciosa de verão, em que ensaiávamos um amor rasteiro, pudesse se transformar em uma coisa dura como esta? O sol se expandia em meio a muita gente, por todo o canto, fazendo um dia tão bonito, mas tão bonito, que afrontava todas as minhas previsões. Amanheceste enevoado, sisudo, contrariado com as urgências não satisfeitas na noite anterior. Me chamaste às escondidas. Dirigiste ensimesmado, e com algum esforço, na estrada até o mar, trocamos uma meia-dúzia de palavras. Eu não fazia questão de mais que isso, porque o dia estava bonito e em dias assim tudo é uma chance para ser eternamente feliz sem deixar de sentir o outro lado das coisas. E de fato, eu não deixava de pensar nas implicações de cada gesto, daquela saída, daquela viagem, daquela fuga.

Não sei nadar. Fui criada na doutrina do medo das coisas absurdamente possíveis. Décadas de medo me antecederam a existência, de modo que minha estirpe luta para disperçá-lo, mas eu, particularmente, não sou tão empenhada nesta tarefa de vencer o medo de morrer em um instante de absurdo, em uma queda da árvore, em uma asfixia provocada por cócegas. E porque o mar não tem cabelo eu me agarrei a ti. É engraçado pensar que saber nadar teria feito as coisas diferentes. Não teria.

Tu conduzias teu jetski , eu supunha, como tantos outros jovenzinhos conduziram suas lambretas em cidades remotas, em bandos, quando o cinema era novidade e quando o amor era um mistério que vivia mais próximo dos corações adolescentes: tu conduzias com paixão pela liberdade. De repente, estávamos em Beverly Hills, de repente eu era a garota do seriado americano, de repente tu eras mais bonito e mais forte do que eras, de repente tocava The Kooks, e de repente meu peito era o mundo.

Teus planos eram outros, mas acabamos parando numa ilha sem brilho, onde conversamos por um tempo. Falamos sobre relacionamentos-anteriores-projetos-futuros-e-vida-profissional. Eu admirava teu jeito de conciliar seriedade com bom humor, mas me incomodava tua maneira de gesticular excessivamente e mais ainda: teu olhar avaliador sobre cada frase minha. Talvez, eu me orgulhasse, na verdade, era: 1- da lucidez com que eu captava cada uma dessas e de tantas outras impressões a teu respeito; 2 - da minha inteligência na sutileza dessa percepção; 3 - do meu comedimento ao reagir às revelações a que chegava.

A aventura daquela manhã quase me doeu de uma alegria desvairada e bêbada, enquanto tu cada vez mais veloz atravessavas meus mares de medo. A cada mil metros que tu conduzias à frente, mil corações eu fiz pulsar. Eu não tinha medo de morrer, medo de amar, medo de não existir e eu sorria e gritava e te beijava e desafiava meus medos tolos. Tudo se resumia à tua condução sedenta de espaço.

No caminho, tu viste tartarugas e outros animais, mas eu estava fixada em Fernão Capelo Gaivota, que nos acompanhou durante todo o percurso, nos assistindo, se exibindo e me ensinando sobre a importância da beleza no vôo.

Naquela manhã, parecia que descobrias um novo continente. Eras jovem, forte, seguro e voraz. Tinhas uma fome farta vida afora.

Ainda não sei quem és. Preciso abandonar aqueles dias.

Um comentário:

A. disse...

Você me lembra tanto a Inês. Venho aqui quando quero me lembrar dela e de mim. Precisava muito nesse momento de fazes-me falta. Jamais esquecerei do periodo que li esse livro na versao de capa dura pela primeira vez... A vida explodia ciclicamente,e mal sabia eu que estava apenas começando a aprender a ser mulher