quinta-feira, 22 de julho de 2010

teu corpo
é a memória
dos lugares onde nunca estive
não me lembra pertencimento
me traz horrores
me detém
e sempre vai embora

terça-feira, 20 de julho de 2010

sometimes a man gets carried away
when he feels like he should be having his fun
and much too blind to see the damage he's done


Não é que estivesses demasiado envolvido para voltar atrás, é que por algum outro motivo tu resistias a me deixar. E assim se passaram as viagens, as longas conversas, as noites, o constrangimento. Jamais nos sentimos totalmente à vontade na presença do outro. Eu preocupada em continuar sendo eu mesma, e não aquela que corresponderia às tuas expectativas. Tu preocupado com o ponto a que as coisas haviam chegado. O ponto a que tu havias conduzido essa tragédia anunciada, essa tragédia sem dor, esse mormaço de horas sobre nossas cabeças.

maybe you're too young
to keep good love from going wrong

Tu devias ouvir Jeff Buckley, tu devias ouvir Lover, you should've come over, agora que, penso eu, já sabes traduzir.



so i'll wait for you, and i'll burn

sábado, 17 de julho de 2010

Pé-direito alto em descontínuo VI

A criada voltou a enxergar. Não sei bem como isso se deu, mas depois de quatro dias cega, recuperou a visão. Confesso que me senti aliviada, menos pela visão em si do que pelas providências que eu deveria tomar caso a cegueira permanecesse. João fez uma festa, correu a casa carregando a serviçal nos braços. Os olhos das outras brilhavam um brilho que não era apenas de alegria, o que só me fez confirmar que elas de fato nutrem uma paixão miserável por João. São gente sem rumo, que veio parar aqui. Por mim, elas não são necessárias, ainda tenho disposição para cuidar das coisas da casa. Mas João insiste, diz que é para eu me poupar, e diz que precisamos ajudá-las, também. O coração desse homem.

quinta-feira, 15 de julho de 2010



"Eis aqui
bicicleta, planta, céu,
estante cama e eu
logo estará
tudo no seu lugar"

eu não quero o teu olhar voltado para mim, eu quero poder te observar sem interferências, te assistir enquanto assistes ao jornal, ou enquanto escreves tuas contas.
tu não sabes o que é estar nos braços de um homem, percorrer o corpo de um homem como quem deseja chegar ao outro lado. ao outro lado de quê? aonde? talvez ao outro lado do tempo-espaço, onde as coisas não são como são,
me transpor do colapso do corpo ao estupor do despensamento. é como saber teu endereço. um oceano nu, minhas pernas sem sol, teu rosto viril. o momento vai ficando antigo, vejo nossos filhos em super8 na piscina da mansão dos salles, as viagens internacionais e as tardes em shoping centers.
penso no metrô domingo à noite, na solidão dessas coisas, da cidade, do centro da cidade numa tarde de domingo e é tudo tão desamparado e eu não posso ser mãe das coisas, que coisa não tem parentesco nem umbigo onde eu possa enfiar um cano e dizer que pari. eu quero que a minha escrita não considere a ti nem tua temática remanescente, para ser fluida. eu quero que a minha escrita não revele nem diga o que eu quero tanto dizer e o que eu quero que não saibas.
não vou mencionar o amor de ontem e vou cuidar para que. não sei.
quando teu olhar mais grave me acena o homem que és, eu não sei o que em teu olhar te esconde ou te revela. e eu não gosto que sorrias quando me olhas em silêncio, porque não sei a mensagem que teu sorriso leva ou trai. enquanto me olhas no silêncio, eu no mesmo silêncio peço que não nos vejamos novamente, que não me queiras nos próximos dias, que abandonemos a frequência dos encontros. peço porque a cada vez que nos vemos eu te vejo mais bonito, me acomodo melhor nos teus ombros, e começo a não saber dizer.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

só sei dizer
coisas inúteis
quina de cabeceira
obra no vizinho
rinite & sinusite
quando quero
dizerqueteamo

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pé-direito alto em descontínuo V

Essas criadas não tem jeito. Ontem pela manhã, uma delas, a mais velha, não sei que asneira fez ao manejar a panela de pressão ao fogo, que a fez explodir, emporcalhando toda a cozinha. E o pior: desde então está cega. Os médicos disseram que a anta pode recuperar a visão em alguns dias ou nunca mais. De que vale a opinião dos médicos? Nunca sabem responder nada precisamente. Tudo o que fazem é um exercício de adivinhação. Como a serviçal não tem família, João achou por bem acomodarmo-na em nossa casa. Jamais admiti que as criadas dormissem aqui porque acho que elas já se interam demais de nossas dias para que também nos testemunhem as noites. Além do mais, o cheiro delas me provoca náuseas. Muito bem, ela dorme no quarto dos fundos. Uma suíte bastante razoável, pois é preciso que ela tenha acesso fácil ao banheiro. João se preocupa, se sente culpado. Como?! A incompetente não soube abrir uma panela e João se martiriza. Estou pensando no que fazer, onde despejá-la, caso a inútil não volte a enxergar. Sempre fiz questão de repetir diariamente todos os cuidados que elas devem ter ao cozinhar, ao limpar a casa, ao se higienizar, ao caminhar à rua. Não me ouvem, preferem a própria ignorância. Pois foi em uma dessas que a outra se queimou, ficou cega e manchou todas as paredes e o teto da cozinha.