quinta-feira, 31 de março de 2016

~
aí, vem alguém
que dá gravidade à solidão da gente
torna a solidão doentia
oferece a cura
fornece paliativos
não resolve
cria a fome
e não sacia
a solidão cresce
desarruma o que era certo
a solidão se abisma
tritura tudo o que compunha a lúdica atmosfera
e engole tudo
o alguém
a gente
e mói o coração
- a gente finge, mas a gente nunca se refaz

terça-feira, 29 de março de 2016

eu pedi que te avisassem
que tenho sido um tipo avesso
queria te prevenir
do meu mal

riram de minha preocupação
perguntaram por que eu queria te proteger de mim
disseram que não ofereço perigo
que tu não merecias proteção

sei
que não sou tão má
porque me preocupo em te preservar

o faço
porque a bondade é una
transpassa os homens
e ofender a bondade de um homem
corresponde a ofender a bondade do mundo
e não quero ferir o mundo
como o mundo tem me ferido
porque dói,
e não me desvencilho da ideia de ser também mundo

se crio obstáculos
é porque quero que me mostres
a firmeza do teu desígnio
quase peço

me vejas com doçura
venhas determinado
tenhas um propósito honesto em mim

sejamos francos
nós nunca nos detemos
nunca nos deteremos
em ninguém

o outro
é sempre através
sempre retroverso
sujeito a,
não-sujeito

e como o clímax da música
preciso de explosão
antes do amparo

se te advirto do meu mal
é para instar disposição
para que
tendo aprendido o jeito
depois
tu me protejas de mim

quarta-feira, 23 de março de 2016

Estou aqui, inerte,
mas com algum esforço,
você me vence
não como uma conquista, de sua parte
ou uma concessão, de minha
mas como uma decorrência lógica
do teu esforço
- como se não fosse permissão nem domínio

Lembro alguma coisa do teu rosto
lembro que tem a pele marcada
e, o que poderia me causar repulsa,
me provoca interesse.
Porque há mais história,
na imperfeição

Sou capaz de te amar
e é capaz que eu te ame
como poderia amar a qualquer um
e é capaz que eu te coroe com meu amor
como poderia coroar a qualquer um

apenas para exercitar
um talento abandonado
para falar uma língua morta,
por pura excentricidade

É capaz que então eu veja em você
a beleza que eu vejo nas conchas feias,
que mesmo assim recolho e guardo

e o que era sem contexto e sem sentido
é ressignificado.
Por isso é que, mais tarde,
é difícil devolver ao mar a concha
sem nenhum pesar

Só não quero guardar nem espuma
quando, depois do tempo do encontro
eu tiver que te atravessar

terça-feira, 1 de março de 2016

ele disse:
-eu quero dominar o mundo
ela disse:
-eu quero libertar o mundo

e acabou o amor