segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

kiss me, don't explain me

terça-feira, 12 de outubro de 2010

"A chair is still a chair, even when there's no one sittin' there
But a chair is not a house and a house is not a home
When there's no one there to hold you tight
And no one there you can kiss goodnight"

Eu hoje fiz uma coleção de coisas bonitas. Entre papéis, músicas e fotografias, o desejo era um só: recolher o melhor do mundo, pra te dar. E não era um projeto pretensioso, tampouco simplista. Te escrevi uns versinhos sem rima, no estilo poesia concreta. Por exemplo: ÀS VEZES AS PALAVRAS ESCORREM FEITO SANGUE OU CHUVA (na vertical, em declínio) NOUTRAS VEZES ESCALAM  A NUCA SEM NADA DIZER (de baixo para cima, as letras 'decrescentes' , dá vertigem de ler), num filete de papel vergé que sobrou dos convites que eu mesma fiz para meu aniversário de 15 anos. Experimentei uns perfumes antigos, que quase não uso, porque me provocam náuseas. Queria um frangrância que representasse um traço meu. Assim, que quando eu te abraçasse, eu deixasse um pouco do meu perfume nos teus braços, na tua barba, na gola da tua camisa. Tenho estudado muito. Sobre? Ah, sobre decoração, tenho lido guias de etiqueta, coquetéis, drinks, arranjos de flores, culinária.Tenho construído casas sem erguer paredes. Ainda. Só falta você chegar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

um dia
você vai morder uma goiaba madura cheirosa
num fim-de-tarde
em Atafona
e vai morder
tão forte, tão-forte
que vai quebrar o dente com um caroço
e não vai lembrar
do meu amor
do meu rosto
da minha doação
vai lembrar
que eu te avisei.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

teu corpo
é a memória
dos lugares onde nunca estive
não me lembra pertencimento
me traz horrores
me detém
e sempre vai embora

terça-feira, 20 de julho de 2010

sometimes a man gets carried away
when he feels like he should be having his fun
and much too blind to see the damage he's done


Não é que estivesses demasiado envolvido para voltar atrás, é que por algum outro motivo tu resistias a me deixar. E assim se passaram as viagens, as longas conversas, as noites, o constrangimento. Jamais nos sentimos totalmente à vontade na presença do outro. Eu preocupada em continuar sendo eu mesma, e não aquela que corresponderia às tuas expectativas. Tu preocupado com o ponto a que as coisas haviam chegado. O ponto a que tu havias conduzido essa tragédia anunciada, essa tragédia sem dor, esse mormaço de horas sobre nossas cabeças.

maybe you're too young
to keep good love from going wrong

Tu devias ouvir Jeff Buckley, tu devias ouvir Lover, you should've come over, agora que, penso eu, já sabes traduzir.



so i'll wait for you, and i'll burn

sábado, 17 de julho de 2010

Pé-direito alto em descontínuo VI

A criada voltou a enxergar. Não sei bem como isso se deu, mas depois de quatro dias cega, recuperou a visão. Confesso que me senti aliviada, menos pela visão em si do que pelas providências que eu deveria tomar caso a cegueira permanecesse. João fez uma festa, correu a casa carregando a serviçal nos braços. Os olhos das outras brilhavam um brilho que não era apenas de alegria, o que só me fez confirmar que elas de fato nutrem uma paixão miserável por João. São gente sem rumo, que veio parar aqui. Por mim, elas não são necessárias, ainda tenho disposição para cuidar das coisas da casa. Mas João insiste, diz que é para eu me poupar, e diz que precisamos ajudá-las, também. O coração desse homem.

quinta-feira, 15 de julho de 2010



"Eis aqui
bicicleta, planta, céu,
estante cama e eu
logo estará
tudo no seu lugar"

eu não quero o teu olhar voltado para mim, eu quero poder te observar sem interferências, te assistir enquanto assistes ao jornal, ou enquanto escreves tuas contas.
tu não sabes o que é estar nos braços de um homem, percorrer o corpo de um homem como quem deseja chegar ao outro lado. ao outro lado de quê? aonde? talvez ao outro lado do tempo-espaço, onde as coisas não são como são,
me transpor do colapso do corpo ao estupor do despensamento. é como saber teu endereço. um oceano nu, minhas pernas sem sol, teu rosto viril. o momento vai ficando antigo, vejo nossos filhos em super8 na piscina da mansão dos salles, as viagens internacionais e as tardes em shoping centers.
penso no metrô domingo à noite, na solidão dessas coisas, da cidade, do centro da cidade numa tarde de domingo e é tudo tão desamparado e eu não posso ser mãe das coisas, que coisa não tem parentesco nem umbigo onde eu possa enfiar um cano e dizer que pari. eu quero que a minha escrita não considere a ti nem tua temática remanescente, para ser fluida. eu quero que a minha escrita não revele nem diga o que eu quero tanto dizer e o que eu quero que não saibas.
não vou mencionar o amor de ontem e vou cuidar para que. não sei.
quando teu olhar mais grave me acena o homem que és, eu não sei o que em teu olhar te esconde ou te revela. e eu não gosto que sorrias quando me olhas em silêncio, porque não sei a mensagem que teu sorriso leva ou trai. enquanto me olhas no silêncio, eu no mesmo silêncio peço que não nos vejamos novamente, que não me queiras nos próximos dias, que abandonemos a frequência dos encontros. peço porque a cada vez que nos vemos eu te vejo mais bonito, me acomodo melhor nos teus ombros, e começo a não saber dizer.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

só sei dizer
coisas inúteis
quina de cabeceira
obra no vizinho
rinite & sinusite
quando quero
dizerqueteamo

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pé-direito alto em descontínuo V

Essas criadas não tem jeito. Ontem pela manhã, uma delas, a mais velha, não sei que asneira fez ao manejar a panela de pressão ao fogo, que a fez explodir, emporcalhando toda a cozinha. E o pior: desde então está cega. Os médicos disseram que a anta pode recuperar a visão em alguns dias ou nunca mais. De que vale a opinião dos médicos? Nunca sabem responder nada precisamente. Tudo o que fazem é um exercício de adivinhação. Como a serviçal não tem família, João achou por bem acomodarmo-na em nossa casa. Jamais admiti que as criadas dormissem aqui porque acho que elas já se interam demais de nossas dias para que também nos testemunhem as noites. Além do mais, o cheiro delas me provoca náuseas. Muito bem, ela dorme no quarto dos fundos. Uma suíte bastante razoável, pois é preciso que ela tenha acesso fácil ao banheiro. João se preocupa, se sente culpado. Como?! A incompetente não soube abrir uma panela e João se martiriza. Estou pensando no que fazer, onde despejá-la, caso a inútil não volte a enxergar. Sempre fiz questão de repetir diariamente todos os cuidados que elas devem ter ao cozinhar, ao limpar a casa, ao se higienizar, ao caminhar à rua. Não me ouvem, preferem a própria ignorância. Pois foi em uma dessas que a outra se queimou, ficou cega e manchou todas as paredes e o teto da cozinha.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como imaginar que a manhã despretenciosa de verão, em que ensaiávamos um amor rasteiro, pudesse se transformar em uma coisa dura como esta? O sol se expandia em meio a muita gente, por todo o canto, fazendo um dia tão bonito, mas tão bonito, que afrontava todas as minhas previsões. Amanheceste enevoado, sisudo, contrariado com as urgências não satisfeitas na noite anterior. Me chamaste às escondidas. Dirigiste ensimesmado, e com algum esforço, na estrada até o mar, trocamos uma meia-dúzia de palavras. Eu não fazia questão de mais que isso, porque o dia estava bonito e em dias assim tudo é uma chance para ser eternamente feliz sem deixar de sentir o outro lado das coisas. E de fato, eu não deixava de pensar nas implicações de cada gesto, daquela saída, daquela viagem, daquela fuga.

Não sei nadar. Fui criada na doutrina do medo das coisas absurdamente possíveis. Décadas de medo me antecederam a existência, de modo que minha estirpe luta para disperçá-lo, mas eu, particularmente, não sou tão empenhada nesta tarefa de vencer o medo de morrer em um instante de absurdo, em uma queda da árvore, em uma asfixia provocada por cócegas. E porque o mar não tem cabelo eu me agarrei a ti. É engraçado pensar que saber nadar teria feito as coisas diferentes. Não teria.

Tu conduzias teu jetski , eu supunha, como tantos outros jovenzinhos conduziram suas lambretas em cidades remotas, em bandos, quando o cinema era novidade e quando o amor era um mistério que vivia mais próximo dos corações adolescentes: tu conduzias com paixão pela liberdade. De repente, estávamos em Beverly Hills, de repente eu era a garota do seriado americano, de repente tu eras mais bonito e mais forte do que eras, de repente tocava The Kooks, e de repente meu peito era o mundo.

Teus planos eram outros, mas acabamos parando numa ilha sem brilho, onde conversamos por um tempo. Falamos sobre relacionamentos-anteriores-projetos-futuros-e-vida-profissional. Eu admirava teu jeito de conciliar seriedade com bom humor, mas me incomodava tua maneira de gesticular excessivamente e mais ainda: teu olhar avaliador sobre cada frase minha. Talvez, eu me orgulhasse, na verdade, era: 1- da lucidez com que eu captava cada uma dessas e de tantas outras impressões a teu respeito; 2 - da minha inteligência na sutileza dessa percepção; 3 - do meu comedimento ao reagir às revelações a que chegava.

A aventura daquela manhã quase me doeu de uma alegria desvairada e bêbada, enquanto tu cada vez mais veloz atravessavas meus mares de medo. A cada mil metros que tu conduzias à frente, mil corações eu fiz pulsar. Eu não tinha medo de morrer, medo de amar, medo de não existir e eu sorria e gritava e te beijava e desafiava meus medos tolos. Tudo se resumia à tua condução sedenta de espaço.

No caminho, tu viste tartarugas e outros animais, mas eu estava fixada em Fernão Capelo Gaivota, que nos acompanhou durante todo o percurso, nos assistindo, se exibindo e me ensinando sobre a importância da beleza no vôo.

Naquela manhã, parecia que descobrias um novo continente. Eras jovem, forte, seguro e voraz. Tinhas uma fome farta vida afora.

Ainda não sei quem és. Preciso abandonar aqueles dias.

domingo, 13 de junho de 2010

Reconstruir o passado é uma forma de dar sentido à vida. Os mortos, os arrependimentos, a embriaguez das noites, os olhares dos outros, os lugares por que passamos - nós somos todos esses pedaços de vida estragada, reconduzida, afundada, dignificada e persistente. Não morremos nem depois da morte, porque o tempo é vadio para quem fica e às vezes se esquece de passar. (O tempo não dá vida nem faz cessar as coisas. Mas o quê eu não sei.)


Teu peito aberto é escudo para a dor. Alguns de nós se arriscam movidos pelo medo. Eu mesma tenho uma vertigem incurável de viver. Mas ainda não sei se foste meu medo ou minha coragem.
Não morri por ti. Nem por um segundo. Já morri por outros homens, e por pequenas coisas, também. Não por ti.
Julgo que entendes muito bem de perder e ganhar. Precisas, agora, aprender a permanecer. Tens casa, bens, sucesso e conforto. Mas não tens a quem pertencer. E quero que entendas: pertencer é preciso, digam o que quiserem os outros.
Desconfio que minhas verdades sejam imprecisas ou equivocadas, porém não posso me livrar do que sou agora. Não é justo que eu pretenda ser além do que este corpo jovem e fatigado generosamente me oferece, nesta hora em que te escrevo.
Sim, minhas forças são tortas, por isso me desdobro em cuidados para: 1- manter-me inteira; 2- mantê-las. E se te olho com olhos que não dizem nada, é que a tempestade se anuncia neles e tu não notaste. Teus olhos de lince, que alcançam mares e horizontes, não foram capazes de ver o mais imediato dos meus desejos.
Enxergas muito longe, mas precisas aprender a ver de perto, e dentro, no além da pele, no desconforto do pensamento; dentro desta caverna escura onde se acumulam e se revolvem em movimentos incertos poeira e sangue (desse buraco estranho a que chamam coração).
O que trago comigo não é um segredo, é uma ferida aberta, um rasgo curioso, declarado, pedindo compreensão. O que peço é muito pouco, quase nada. Sou pobre de história e de futuro. Tenho as mãos vazias porque não quero possuir nem gastar, porque prefiro o movimento.
Não sou mais triste. Isso era quando eu não sabia das coisas que hoje sei. Sabê-las, hoje, já me basta. Os passos à frente não são duros nem titubeantes. São francos. Sofrimento e alegria não se excluem nem caminham juntos. Se trançam, se emaranham e se fundem. Tudo o mais é corpo de fundo, que a gente carrega até encontrar mais substância.
Foi assim contigo. Te carreguei pesado no esôfago - bola de chumbo gravitacional. Tua aura metálica condensada no meu baixo-esôfago. Tu não tinhas forma nem órgãos nem voz nem corpo. Somente o peso.

domingo, 23 de maio de 2010

"eu espero por acontecimentos
mas quando anoitece
é festa no outro apartamento"

você fica aí, olhando pela janela como se soubesse o momento exato em que as coisas acontecem. eu continuo vivendo essa vida como se não houvesse outra vida possível. me agarro a você, por falta de esperança em algo mais.

você com essas costas abertas contra a luz do domingo, vivendo como se eu não existisse. dentro de mim, esbraveja um mundo de coisas impedidas.

eu não consigo te alcançar. os passos até a janela, até tuas costas, são difíceis. é difícil te alcançar. é triste, é doloroso, é solitário.

você sorri para os amigos, promove festas, sorri mais e conta histórias, se embriaga. eu estou por perto, mas você não vê. você não vê este bicho miúdo que te espreita cheio de uma esperança cansada e torpe.

você envolve teus braços firmes nas minhas costas, me abraça um abraço seguro, mas seu sorriso ainda é de todos e a sala demora a se esvaziar.

tudo acaba, você está cansado, eu ainda te espero.

você fica olhando a janela, enquanto tantas coisas morrem deste lado do sofá.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

(escrito encontrado dentro do carta ao pai)

desfazer as malas ainda em viagem, trazer à tona o dia de amanhã - tudo isso era muito doloroso. tornava-se cada dia mais casta, não por uma escolha, mas por um desfalecimento tamanho dos sentidos, que só lhe restava ser assim - mobília, poeira e noite, luz acesa, casa sem voz. nos olhos tanta cegueira quanto lucidez. casa vazia. nada a espera. vinha-lhe a imagem do pai desmanchando o sorriso: de quantos dentes é feita a culpa? noite sem resposta. ensaio um discurso que lhe seja plausível, bem aparado, mas só o Pai tem a Razão. ensaio um sonho que o faça morrer menos e rezo para que não lhe atinjam. o desamparo, o desmazelo, essas horas de agora.
tu sabes que não me és apenas o sobrenome (o único), mas queria eu que tu não soubesses do que te faz entristecer e desmanchar teu sorriso gordo numa manhã de domingo.