Esboço desconexo de um romance político I
Teu nome só tem duas letras
e é tão leve quanto o ar
uma brevidade boa de se dizer
um rio que corre
um suspiro que se desmancha
um instante mínimo,
tão breve quanto teu nome
e tão presente quanto o ar
Um incêndio manso nos tomou
Um incêndio que não destrói
ou que só destrói o que há de mau
e prepara o campo
para reconstruirmos dentro de nós
um mundo novo em paz
Traímos a guerra
nossos povos
nossos pais
Porque obedecemos
porque nos omitimos
porque jogamos o jogo
(ou porque nos convencemos da mesma ira)
os credos viraram bandeiras, partidos, milícias e logo viraram sangue
Mas em um território neutro
-bandeira branca-
vivemos um intervalo de lucidez
Na guerra em que nos colocaram
estou do lado oposto ao teu
Mas na trégua
somos amantes
Estabelecemos
de modo perspicaz e tácito
que entre nós
não haveria
vítima
ou algoz
Quando amantes
fomos a trégua
E eu só pensava:
como é difícil
não importar
a guerra
para dentro da gente
E eu fico agora aqui
a imaginar
as explosões no céu
as explosões no chão
as noites de festa e cegueira de Tel Aviv
a lógica da tua língua que não sei falar
O amor é uma paz no meio da guerra
O amor é uma guerra em meio a outra
O conflito
a promessa
a terra
a fronteira
a religião
o ateísmo
o deserto
a fúria
o refúgio
a descrença
a origem
a etnia
o novo
a guerra
a paz:
A gente nunca é uma coisa só.
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