quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

 Esboço desconexo de um romance político I

 Teu nome só tem duas letras
 e é tão leve quanto o ar
 uma brevidade boa de se dizer
 um rio que corre
 um suspiro que se desmancha
 um instante mínimo,
 tão breve quanto teu nome
 e tão presente quanto o ar

 Um incêndio manso nos tomou
 Um incêndio que não destrói
 ou que só destrói o que há de mau
 e prepara o campo
 para reconstruirmos dentro de nós
 um mundo novo em paz

 Traímos a guerra
 nossos povos
 nossos pais

 Porque obedecemos
 porque nos omitimos
 porque jogamos o jogo
 (ou porque nos convencemos da mesma ira)
 os credos viraram bandeiras, partidos, milícias e logo viraram sangue

 Mas em um território neutro
 -bandeira branca-
 vivemos um intervalo de lucidez

 Na guerra em que nos colocaram
 estou do lado oposto ao teu

 Mas na trégua
 somos amantes

 Estabelecemos
 de modo perspicaz e tácito
 que entre nós
 não haveria
 vítima
 ou algoz

Quando amantes
fomos a trégua

 E eu só pensava:
 como é difícil
 não importar
 a guerra
 para dentro da gente

 E eu fico agora aqui
 a imaginar
 as explosões no céu
 as explosões no chão
 as noites de festa e cegueira de Tel Aviv
 a lógica da tua língua que não sei falar

 O amor é uma paz no meio da guerra
 O amor é uma guerra em meio a outra

O conflito
 a promessa
 a terra
 a fronteira
 a religião
 o ateísmo
 o deserto
 a fúria
 o refúgio
 a descrença
 a origem
 a etnia
 o novo
 a guerra
 a paz:
 A gente nunca é uma coisa só.

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