quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Pé-direito alto em descontínuo VIII

Voltávamos da cidade quando João disse que passaríamos para ver Madalena. Eu disse que não tinha paciência para Madalena, e João rebateu que Madalena era minha única irmã, e que em respeito à memória de meus pais deveríamos, ao menos de tempos em tempos, procurá-la. Eu disse que não era certo visitar os outros sem aviso, ainda mais na hora do almoço. Mas João sabia que Madalena não era de protocolos e não se incomodaria com nossa chegada inesperada. Ao contrário, Madalena se alegraria.

João inventa de ter paciência para pessoas com quem não tenho paciência. É uma forma de remendar minha frieza e minhas ausências. João é conciliador, compensa meus vícios com seus cuidados. Os outros reparam. Não me importo e faço até gosto. Que os outros vejam como eu e João nos compomos. Há entre certos casais combinações mudas que tramam e sustentam uma relação. Muitas coisas miúdas e mudas laçam nossos anos de união.

Bati o pé. Difamei Madalena. Esperneei, mesmo sabendo que seria inútil, porque João faz coisas contra minha vontade. Lá chegamos. À casa de Madalena, o muquifo em que ela transformou a herança que lhe coube de nossos pais. Tudo fora do lugar, Madalena é mesmo dada à desordem. João muito simpático, eu resistente. Eu sempre resistente a algo, a todo o momento. Não há um momento, meu Deus, na vida, em que eu não esteja resistindo a algo. Eu resistindo ao nojo que a casa me provocava. Madalena parecia não ver. Madalena era uma cega eufórica. Só bradava 'Que bom que vocês vieram, vocês nunca vêm, Olha, olha a tv que eu comprei, Olha, olha o computador novo, olha, Vocês não fazem ideia do que é essa tv, Bebeto está me ensinando a usar o Facebook no computador novo, postamos fotos do passeio de domingo, Olha como eu tô moderna, olha'.

Bebeto é o novo caso de Madalena. Um menino que ela colocou para dentro de casa. Mas gente, esse menino não tem família? Fiz que fiz vista grossa para aquele desaforo todo. Agora você vê, Madalena com um rapazinho recém saído da puberdade. Esse menino completou o científico, pelo menos? A tonta não vê que o que ele tem de músculos tem de aproveitador. Sem camisa, almoçando no sofá da sala, copo de refrigerante no chão. Prato Duralex, talheres com cabo de plástico. Mas onde foi que Madalena aprendeu ou aprendeu a admitir esses modos suburbanos?! Às vezes, eu penso que ainda bem que papai e mamãe já se foram para não testemunharem tamanha pouca vergonha. O gigolô é mais novo que Toninho. Madalena não enxerga que está velha e criando filho dos outros. 'Ah, fica, vai, vocês quase não vêm, Aproveitem, tem almoço, Hoje é dia da empregada, ela faz comida a mais, para congelar'.

'João, me tira agora daqui'. E João sorrindo, quase debochando 'A gente adora carne seca'.

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