quarta-feira, 4 de julho de 2007

Eu não saberia explicar as razões que levaram Ana até o apartamento de Caio naquela tarde quente de abril. O fato é que deixara sua casa e a extensão de seu isolamento à procura de Caio que nem mais sofria as dores da rejeição. Saiu às pressas como se atrasada para um encontro marcado. A tevê ligada, a janela aberta, o quarto com um ar de abandono súbito. "Eu vim", disse Ana como se atendesse ao apelo de Caio que nem mais dizia seu nome. A voz aflita de criança que se perde de pai e mãe. Caio em seu calor de estátua acolheu-a como a um estranho, ainda que sem cerimônias ou desconfianças. Agregara em seu íntimo o que de íntimo havia nas horas ao lado de Ana, nos minutos dentro dela. Ana chegara mas não estava de volta e trazia no desapego de suas mãos o calor transportado do que antecedera a ruptura. Havia dois outonos em que Ana não havia. Entre eles, um sono de dragão. Caio não admitiria, mas sem Ana, nada entre os outonos poderia haver. E assim foi. Até que Ana, a mulher que mais parecia um sepúlcro de dúvidas e um tronco de certezas mútuas; Ana fraca e despedaçada, à porta de Caio que não mais se aflingia dos finais. Porque àquele instante "Não percebes o quanto não nos somos mais? Eu volto sozinha", laço a laço, capilares, um a um, se partiam. Uma rede desordenada de pequenas dependências desmoronava leve e frágil sob seus olhos. Concluíra, então, que Ana era irresponsável para o envolvimento e a maturidade a dois, que ele, o menino Caio sem Ana saberia seguir sem remorsos ou planos de vingança. Um abismo moroso entre sua ida e seu revés. Ana agora rendida à sua porta. "Tudo bem", diria Caio.
Não disse. Tampouco lhe perguntou, nada a respeito da doença da mãe, da venda do sítio em Minas, da tese de doutoramento. O avesso: deixou que se instalasse e permanecesse um silêncio que caía como se borrifado no ar, atingindo a pele, conferindo-lhe um breve repouso e dissipando-se por toda a sala - inspiração e expiração de Caio e Ana, tão somente um par sem ser. Os ponteiros do relógio cruzavam-se às cinco horas quando Caio em Ana. Os dois a tecerem a tarde sem sonhos daquela tarde. Ignoravam sem saber os precipícios que seriam as noites subseqüentes, em parte porque sabiam-se desprendidos de si, em parte porque queriam-se acoplados sem se pertencerem. Depois disso, o beijo, o derradeiro; Caio apoiado na parede, vão da porta, braço direito alongado em direção ao teto, o esquerdo na maçaneta. Ana de costas, se afastando no corredor, cabisbaixa porém refeita. O que ficou: a tarde descolada do tempo, um segredo denso e vivo em duas metades, um segredo que lhes valeria o amor.

3 comentários:

Aquela disse...

pelo amor de deus, moça.
chega devagar, vai...

Renata disse...

como é difícl se viver carregando um cemitério na cabeça =}

Clóvis Struchel disse...

Sempre envolvente a sua escrita...
Ótimo texto!