segunda-feira, 2 de julho de 2007

Tentei sorver a respiração da sala, dos livros empilhados, da escrivaninha comprada no antiquário da Lavradio. Tu te distraías com nomes de ruas, inventavas epopéias de generais. No fundo sabias, mais certo que eu, sobre o que há de vão nas histórias, na vida. No fundo, tu guardavas o fundo das coisas para trazê-las até mim. E dizias 'o fundo das coisas é a essência delas'. Eu pensava que essência já não era coisa, porém amava tuas coisas todas que deixavam de ser. Porque eu sabia que o fundo era vão. Que não haveria ninguém, nem tu, para amparar-me do dispêndio das horas, das sobras de vida, do desmazelo. Tu jamais entenderias que eu moro nas palavras e que somente através delas é que te amo, amando-as mais do que a ti por me permitirem amar.
Enganávamos um ao outro dizendo que o amor mora nos corpos, instalado na carne e que, por isso, um dia viria a apodrecer. Ninguém entenderia a compreensão a que chegamos, de fazer do amor matéria onde se daria a condição da vida. Ninguém nem mesmo saberia.
Tu, então, trarias novos limites ao entendimento. Tu despirias o porquê das coisas para que elas fossem em sua plenitude. "As coisas não tem paz", tu te repetias para dizer a mim. Eu te amava tanto nesses momentos, que tinha medo de que tanto amor gastasse a vida. Eu erodia o tempo nestas horas íntimas. Eu te fazia outro para amar-te em outras formas, mas no fundo de ti, que era sempre o mesmo, eu sempre encontraria o tato da verdade indizível das coisas, de nós, do próprio fundo. Alcançaríamos juntos tais limites?, ou somente tu é que os reestabeleceria, trazendo-os posteriormente a mim?
Eu sei que temes a putrefação do amor. E este é o nosso maior segredo, o segredo que guardamos sós, no cerne da solidão de nos sabermos. Eu no fundo de ti, tu no fundo de mim, tudo vão.

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