segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
domingo, 23 de novembro de 2008
domingo, 2 de novembro de 2008
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
E aqui me esforço por não enumerá-las, caro leitor. A cada consciência, o peso de seus próprios ressentimentos. Minha memória é um grande navio naufragado, onde se aderem camadas e camadas de vida. Essas camadas novas não são minha memória, são criações autônomas, avulsas, que dela fazem apenas um espaço inaugural de existência. As Cortes do pensamento são de pronto reduzidas à própria natureza dos fatos. O passado nunca morre, essa é a intratável afirmativa com que procuro conviver sem maiores inquietações. O passado é uma grande angústia que nos atinge a todos nós. Não bastasse carregá-lo nas costas, por detrás dos olhos, há no passado uma revolta que o faz revirar-se, mostrar-se a nós, cada vez mais explícito e doloroso. O conhecimento que temos do passado, a vivência dele, é parcial. Ele procura, portanto, que revelemos todas as faces do instante, todas suas incontinências. O passado, contudo, não é esse instante, não se resume a ele, antes é um fluxo variável de pesos, medidas e desacertos. Por vezes, por raras vezes, desconstrói-se ele-mesmo, ao olhar mais atento de si. Justifica-se, desmistifica, desaparece quando sob a luz. Um fluxo viscoso, impertinente, ácido. O outro. Um desconhecido a habitar minha casa, transitando entre os cômodos, pesquisando a dispensa, deitado à cama como se desde sempre fosse sua.
Eu não posso, ou não me permito, revoltar-me contra esse estranho, que é produto de minha própria precariedade. Estabeleço, assim, um laço de sangue, deixo que esse desconhecido se torne ainda mais habituado ao lar. Nos entretemos, vamos dormir. Ele não me diz muito, por dias se silencia, em certas noites fica inquieto e me fala impropérios que não quero ouvir. Me desagrada, não consigo despejá-lo. Habituei-me ao lar, à partilha cotidiana das dependências da casa. Nos esbarramos, não tenho medo. Não me apavora a imagem dele adormecido, nu, deitado no sofá da sala de estar. Já não me pergunto quando ele irá, já não recordo o dia em que chegou. Nossa trajetória - minha e dele - flutua sobre o tempo, imersa, por sobre. Não nos protegemos, não nos ameaçamos. Ainda sou inacabada, ele não me completa, ele cresce, míngua, não sei vai, não lhe peço.
domingo, 14 de setembro de 2008
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Carlos, eu tenho um monte de coisas pra te dizer e hoje eu decidi que vou expurgar da minha garganta esses demônios a seu respeito. Carlos, você é um ser que, olha, eu não sei nem por onde começar, mas você me dá nos nervos. A começar pelo seu emprego, sabe. Que merda de trabalho é esse, Carlos?! Já te botaram pra trabalhar um mês inteiro sem folga, com uma jornada de trabalho monstruosa, que te suga, e você abaixa a cabeça e diz "sim". Carlos, tudo bem, é o SEU trabalho e longe de mim ser idealista, só que assim não dá. Você vive sendo explorado. E o pior, Carlos, você não tem ambição. Aceita tudo como se tivesse de ser assim e ponto. Tá sempre cansado, com dor de cabeça. Carlos, eu não me lembro da última vez que te vi disposto. Óbvio que o cansaço e as dores de cabeça não se devem apenas ao trabalho, mas às suas ressacas homércias. Carlos, não bastasse o seu trabalho pra te destruir, você bebe horrores! Você arranja assunto não sei de onde pra não sair do bar com seus amigos ébrios. Eu me sentia culpada em transar com você. Chegávamos em casa às 3am, enquanto você tinha que acordar às 7am. E transávamos. Depois você perdia o sono. Você não é como os outros homens que depois do gozo apagam. Você, ao contrário, perde o sono. É claro que eu gostava de ter alguém pra me amparar do sexo, depois do sexo. A gente conversava, e eu também perdia o sono. Mas o fato é que Carlos, você pouco dorme, mas parece que você vive num sono profundo, porque você não se dá conta de nada. Carlos, além de beber, você fuma com-pul-si-va-men-te. Você é uma chaminé ambulante, Carlos! Você fica ansioso quando ainda faltam cinco cigarros pro seu maço acabar! Carlos, você fuma mais que todos os seus amigos JUNTOS. O meu cabelo, eu mal posso aproveitar o cheiro de shampoo, que fica logo todo impregnado com esse fedor de fumaça. Eu fico sufocada, Carlos, mesmo. E você pouco se importa, você nem faz o esforço de fumar sequer um cigarro a menos. Foda-se o meu bem-estar. E além de fumar cigarros lícitos, você fuma os ilícitos também. E parece que você está constantemente emaconhado, numa leseira interminável. Eu me pergunto, Carlos, quando você vai acordar. Você fuma, mija e CHEIRA todo o seu salário de miséria. Carlos, seu pai ainda paga tua conta de celular, que eu tenho certeza, não sai barata, essas tarifas são um abuso. Outra coisa que me incomodava: teu bairro. Teu bairro fedia a amônia. Ok, vou ser mais clara: urina, era mijo puro a tua rua. Teu prédio, também, nada me agradava. Eu tinha nojo dos seus vizinhos. Nunca vi ter tanta velha e gorda num prédio só! Todo o mundo lá era louco. E eu vivia desconfiada de que o povo ouvia a gente transando. Porque, sabe, eu me preocupava com minha performance. Fazia gemidos dignos de filmes pornôs, e dos bons, hein. Eu sei que você gostava. Mas não me sai da cabeça que aquele seu vizinho maratonista-wannabe ficava com os ouvidos grudados na parede pra ouvir. Ah! AHAHAHAAHA Lembrei do dia em que a gente quebrou a cama. Ainda tá quebrada, Carlos? As outras sabem o motivo? Quantas você já comeu naquela cama? Aliás, você já consertou aquela infiltração na parede do quarto? Olha que um dia aquela parede ainda cai bem na hora em que você estiver comendo uma louca qualquer, tô te dizendo. Era horrível dormir naquela cama cheirando a mofo, aquela umidade digna de presídio. O concreto se desmontando sobre minhas pernas. Um dia qualquer aquela parede cai e você vai se deparar com seu vizinho bem do ladinho dela ouvindo os gemidos fingidos de uma louca qualquer. Tá, eu fingia. Sim, TODAS as vezes, absolutamente todas. Não, eu não sou frígida. Às vezes eu até te dizia a verdade "Não, amor, não cheguei lá, mas foi ótimo mesmo assim", pra fazer com que as vezes em que eu fingisse ter chegado "lá" fossem mais verdadeiras. Eu nunca soube quando você acreditava ou não em mim, então não fazia muita diferença mentir ou dizer a verdade sobre certas coisas. Mas eu odeio quando você insinua que sou dissimulada, que sempre fui. Eu te odeio tanto, Carlos, eu odeio o fato de ter me entregado a você, na mais asquerosa concepção de se entregar a alguém. Falando no teu apartamento, me explica aquela sua cozinha, Carlos. Não tem um armário que feche, as paredes tem no mínimo três centímetros de gordura e você deve ferrar com a caixa de gordura do prédio, com tanta porcaria que joga pelo ralo. Sabe, eu até sentia bastante prazer em lavar tua louça. Mas, poxa, tinha prato de mais de três dias, ou muito secos, com a comida toda grudada, ou um ecossistema de esgoto em cima da pia. Ai, Carlos, você não sabia fazer café. Lembra que eu te ensinei? E te ensinei a cozinhar arroz, também. Teu feijão era gostoso, o melhor que já comi na vida. Teu abraço, também. E teu beijo, embora não sem ressalvas: você podia explorar melhor a língua. Fica a dica pra quando você for pegar as próximas loucas. Todas são doidas, né, Carlos, quanta coincidência! Ai, eu pensei que fosse me esvaziar dizer tudo isso, mas está me cansando. Como eu me cansei de você e da sua mediocridade. Da sua vidinha pobre de submundo existencial. E tem mais, Carlos Alberto: seu nome é escroto.
sábado, 23 de agosto de 2008
sábado, 9 de agosto de 2008
domingo, 22 de junho de 2008
sábado, 7 de junho de 2008
quarta-feira, 21 de maio de 2008
sábado, 3 de maio de 2008
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Tu não viste - dois carros na ponte. Tu não viste - uma mulher grávida. Tu não viste - um cego a caçar galinhas. Eu que nunca me dou conta das paredes, hoje resolvi: entre elas, entre nós, não mais estes segredos absurdos, corrosivos.
Ficar ou partir nunca é gratuito, dizia a puta do filme. As mulheres ressuscitam umas nas outras, as honradas ressuscitam nas putas, as putas ressuscitam nas honradas, disse J.S. Descobertas minuciosas de que padecemos todas.
A cidade suspensa, desacreditada de nós. Eu não era capaz de separar o sentimento da doença, nem mesmo agora depois da consciência de que eram coisas distintas. Caberia, aqui, referir-me aos outros tantos e impertinentes casos? Aqui já não cabe mais nada.
sexta-feira, 28 de março de 2008
quinta-feira, 13 de março de 2008
E então você disse Vem morar comigo e eu disse Tenho minha família, não posso, não pode ser assim e você disse Também tenho, mas vivo só e eu preferia ser sozinho junto e eu disse Não temos dinheiro e você logo disse Onde come um, comem dois e eu disse Mas não é só isso e você disse Também posso lavar suas roupas, é só colocar tudo dentro da máquina, tão fácil e continuou Que tal comermos aqueles chocolates que te trouxe e eu disse Estamos na quaresma, espera a Páscoa, não falta muito e você disse que É sempre tempo de comer chocolates e de chupar sacolés e de fazer amor e eu disse Não faço questão dos chocolates ou de mais nada e você retomou o assunto dizendo Por que não vem morar comigo e eu disse Não gosto do seu bairro mas eu estava mentido e você se feriu e daí me disse A única exigência que eu faço é a de que moremos aqui, minha única condição e eu tentei dizer Há mais condições do que imaginamos e entre nós, principalmente, somos condicionais em demasia mas eu não disse e você se irritou Por que não diz logo que não quer morar comigo, que o problema sou eu e eu disse Não desvirtua a conversa e você me pediu para parar de gritar mas eu não estava gritando e você ficou bravo e começou a tremer e eu te vi tomado por tanta raiva que me arrependi de tudo e tive medo de você tão forte assim (há força nos faça mover mais que a raiva?) e não nos tocamos por três noites e faz quatro dias que não vejo teus olhos dentro deles mas não me sinto no direito de ficar brava.
sábado, 8 de março de 2008
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segunda-feira, 3 de março de 2008
sábado, 1 de março de 2008
penso nas razões que te levaram antes que o verão acabasse. ainda era pôr-do-sol quando cansaste de nossas buscas. suponho que tenhas te esforçado um pouco a fim de permanecer junto a mim, dentro das tardes que compusemos de areia, vento e mar. suponho que tenha te doído a verdade da partida.
(um vento forte de açoitar a pele, uma agressividade áspera sob a qual tantas vezes nos desfizemos em um par)
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
sábado, 16 de fevereiro de 2008
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
Quando as coisas assumem o poder de se perpetuarem além de si (de sua existência)
Se me refiro às coisas, assim, tantas vezes e em tantas ocasiões é que as coisas pra mim são tudo, ou quase, que não gosto de generalizações. A vida tem se resumido a fazer o que deve ser feito. Ponto. Que estranho caminho para a felicidade, diria Barbara. Não é de se admirar que eu seja triste. E triste sem motivos tantos que justifiquem. De modo que nenhuma espécie de piedade legítima consigo atrair para mim sem culpa, o que me torna mais triste ainda. Ontem quando conversávamos sobre as adversidades do tempo, eu te dizia que só o tempo nos acompanha. Vão-se os pais, os amigos, os amantes, os fatos, só fica o tempo, o que passou, o que virá. Então, eu queria entender melhor a medida das coisas, da intensidade delas, do esquecimento. Encontrei novas formas de chamar teu nome, me distraí ao longo das avenidas. Não corri perigo durante toda essa nossa busca. Não achava que perigo fosse condição pra coisa alguma valer a pena. Eu era um espasmo permanente de lucidez. Eu não queria que fosse diferente, eu não pensava em como poderia ter sido. Eu construí uma margem entre o mundo e eu. Você estava no meio dela. Não era de todo do lá-fora, nem tanto imerso aqui dentro. Talvez fosse a terceira margem de um outro rio. Mas me percorria, e agora se perpetua em mim. Você é minha cegueira. Agora, repentina, descubro. Uma cegueira que de tão cega doía a vista, o peito. Você, meu inferno, meu corte, meu translado.