quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
é dezembro, é frio. não há mais tristeza, não há caminhões nas ruas, não há ruas que te levem a outro lugar. logo não haverá rancor. mas sentirei falta de teus dentes, de algumas palavras, do gosto vivo do café. logo perderemos os guarda-chuvas, logo seremos ateus, logo-logo nos esqueceremos para não crermos no quanto fomos.
sábado, 1 de dezembro de 2007
Nota preliminar: Catarina tinha o poder de trazer o mar duas ondas pra cá da beira.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
e se eu te disser que as coisas sangram. sim, sangram. as casas, também. as casas, as coisas e as ruas. tudo sangra uma seiva endurecida do outro dia, o torpor de outrora. quando me levanto, em meio à noite, enquanto Álvaro e tu dormem, sinto o cheiro do sangrar das coisas, e da casa. compadeço-me com aquelas dores. ser humana, para mim, não basta. é preciso transpor-me a outras condições existenciais. ceder um pouco de humanidade a outras formas não-humanas, que, como eu, ferem-se com as manhãs, lamentam as noites, choram luz. é preciso, é urgentemente preciso, que saibas do sangue frio que me envolve quando teus braços despojados não se enlaçam nem no meu corpo, nem no de outras. as coisas talvez não tenham calor. de fato, as coisas não o têm. as coisas talvez não digam. mas eu entendo, eu espero, eu assisto. tu no quintal, Álvaro descalço - isso me dizia muito mais. o quê, meu Deus? como conviver com a anuência do tempo? o que te matinha, o que mantinha a Álvaro? por isso, prefiro o segredo das coisas, porque as coisas, meu bem, eu revelo, eu posso desacobertá-las, entende. e as coisas também se revelam. tu e Álvaro não; ambulantes espectros de mim.
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
no tempo em que não nos comovia a cegueira do mar, seguimos os passos que nos levariam até aquela morte absorta. tu seguias os meus, eu seguia os teus, nos revezávamos no exercício da sinuosidade, nos desencontros e compartilhávamos da mesma falta de um norte. me evitaste por um breve instante e logo em seguida disseste que nunca estive tão bonita a teus olhos. emudeci, quis desculpar-me pela audácia das outras tardes, em que tive de negar-te abrigo do vento e do descaso. a audácia de ser tanto e tantas sem ti. talvez absorver a perenidade das coisas, talvez enobrecê-las com meus instintos, talvez ferir-te uma vez mais para que pudesses amar-me do mesmo jeito persuasivo com que proclamava tuas teorias, para que me convencesses, à força, de que me amavas tanto quanto a elas. tu me conduzirias até a beira daquele absurdo no qual estávamos inseridos, tu discorrerias acerca da mundaneidade daqueles nossos momentos. então, eu me faria submissa, pouco caprichosa, entendedora de teus ditames - os outros diriam compreensiva e doce - até que numa manhã chuvosa te visses repleto de mim: odor, vestimentas, sentidos. até que tu não soubesses como dar um passo atrás para fugir daquela morte inevitável em direção à qual caminhávamos. até que tu te desses conta de que aquela morte era a tal beira do absurdo para que tu me conduzias. a morte, meu caro, ou alguma outra espécie de plenitude para nós.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
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Álvaro não veio nem virá, nós nem chegamos a acontecer e o peso das coisas recai sobre mim sempre que te encontro ainda turvo sem nome e tento retomar a alegria de um outro verão.
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
Eu nunca mais fui à praia. O pontal agora estava mais deserto. As casas e as ruas também morrem, talvez essa fossem a mensagem da destruição que obriga ao abandono e deixa um gosto de tristeza nas fotos e na lembrança. Tantos haviam deixado seus verões no fundo daquelas águas intempestivas, que poderiam ser o mar de qualquer litoral, mas era o princípio de minha memória. Dali em diante, as águas daquele mar seriam minha história, as águas sem-fim.
Não tenho nada a ver com Caio e Ana, mas eles me pedem, cada um em seu íntimo, que eu os diga. Não tenho nada a ver com Caio nem Ana, mas já choramos no mesmo vagão. Caio e Ana estavam lá, no cenário da minha memória. Um dia, me visitariam num fim-de-tarde para falarmos dos filhos que não tiveram e do quanto nos custou a vida.
Ana, vestida de festa, não pôde conter a ânsia de ver o mar desabando sobre seus pés. Era como se todas as coisas estivessem à espera daquele momento. Porque Ana se dedicava à admiração das coisas. Embalava-as com seu olhar, tinha um monte delas nos olhos. (Eu pensava que a vida de Ana concentrava-se neles. Certa vez, aproximei-me quase a ponto de tocá-los. Hesitei a tempo de manchar com o toque aquele fundo, o espaço onde Caio e Ana me vinham.) Caio dizia muitas palavras duras, que se petrificavam na sua rouquidão. Caio dizia pedras. Ana se calou. Deixou a fala de Caio suspensa no ar, sem revanche. Aprendera que, para Caio, a decepção era uma forma de conquista. Assim, Ana o mantinha sem contê-lo. Naquele tempo, era mais difícil o querer conjugado à dor. "É estranho que me ames, a despeito de minha aridez." E foram tomados, até mesmo Caio, por um constrangimento passageiro. Logo as coisas retomariam sua velha ordem de ser, presumia Ana, antecipando seu alívio. Ana cada vez revelava-se menos, cobria o colo, não deixava que ele a visse no banho. Ana, subversiva, pensava "É estranho que o ame, a despeito de minha aridez".
terça-feira, 14 de agosto de 2007
sexta-feira, 20 de julho de 2007
terça-feira, 17 de julho de 2007
segunda-feira, 16 de julho de 2007
quarta-feira, 4 de julho de 2007
Não disse. Tampouco lhe perguntou, nada a respeito da doença da mãe, da venda do sítio em Minas, da tese de doutoramento. O avesso: deixou que se instalasse e permanecesse um silêncio que caía como se borrifado no ar, atingindo a pele, conferindo-lhe um breve repouso e dissipando-se por toda a sala - inspiração e expiração de Caio e Ana, tão somente um par sem ser. Os ponteiros do relógio cruzavam-se às cinco horas quando Caio em Ana. Os dois a tecerem a tarde sem sonhos daquela tarde. Ignoravam sem saber os precipícios que seriam as noites subseqüentes, em parte porque sabiam-se desprendidos de si, em parte porque queriam-se acoplados sem se pertencerem. Depois disso, o beijo, o derradeiro; Caio apoiado na parede, vão da porta, braço direito alongado em direção ao teto, o esquerdo na maçaneta. Ana de costas, se afastando no corredor, cabisbaixa porém refeita. O que ficou: a tarde descolada do tempo, um segredo denso e vivo em duas metades, um segredo que lhes valeria o amor.
segunda-feira, 2 de julho de 2007
Enganávamos um ao outro dizendo que o amor mora nos corpos, instalado na carne e que, por isso, um dia viria a apodrecer. Ninguém entenderia a compreensão a que chegamos, de fazer do amor matéria onde se daria a condição da vida. Ninguém nem mesmo saberia.
Tu, então, trarias novos limites ao entendimento. Tu despirias o porquê das coisas para que elas fossem em sua plenitude. "As coisas não tem paz", tu te repetias para dizer a mim. Eu te amava tanto nesses momentos, que tinha medo de que tanto amor gastasse a vida. Eu erodia o tempo nestas horas íntimas. Eu te fazia outro para amar-te em outras formas, mas no fundo de ti, que era sempre o mesmo, eu sempre encontraria o tato da verdade indizível das coisas, de nós, do próprio fundo. Alcançaríamos juntos tais limites?, ou somente tu é que os reestabeleceria, trazendo-os posteriormente a mim?
Eu sei que temes a putrefação do amor. E este é o nosso maior segredo, o segredo que guardamos sós, no cerne da solidão de nos sabermos. Eu no fundo de ti, tu no fundo de mim, tudo vão.